FILHO DA RUA
Amanhece mais um dia na cidade
O silêncio ainda fala alto na rua
Cães famintos vagueiam nas calçadas
Contemplando no céu a última lua.
Sob a marquise de uma loja
Um pequenino monte ainda dorme
Encolhido feito cobra
Pois o frio é enorme.
A loja se abre de repente
Alguém põe-se a gritar
- Sai daí o moleque!
Não vá a freguesia espantar
O montinho se levanta
Com um pedaço de pau na mão
E como uma fera acuada
Resmunga um palavrão:
- Não me chama de moleque moço
O meu nome é João
Se crias caso comigo
Dou porrada e bofetão.
Afasta-se correndo
Como se fora um ladrão.
Em seus olhos se vê ódio
Ódio por tudo e por todos,
João nunca teve amigos
João nunca brincou de bola
João não tem pai nem mãe
João nunca foi a escola.
Perambula por uma feira
Roubando aqui e alí o que comer
Sai correndo feito um louco
Pois um guarda quer lhe prender
Pega, pega o pivete...ladrão,
Me larga, me larga moço
Dou porrada e bofetão.
Apanha igual gente grande
mas consegue escapar
põe a mão sobre o rosto
E sente a cara sangrar
Se esconde por entre o mato
Qual animal perseguido
João já quase nem fala
Solta apenas um grunhido.
Em sua toca escura
Observa a criançada
Que limpas e bem nutridas
Brincam de bola na calçada
Seu espírito infantil
Manda-o também brincar
Ele chega desconfiado
Devagar, bem devagar.
Os meninos o recebem normalmente
Afinal não são adultos
E sim crianças inocentes
Ele brinca como nunca
Por um instante é feliz
Pois ser criança um minuto
Foi tudo que sempre quis
Porém a noite cai por sobre o mundo
E as crianças vão deitar
João também se vai
Procura onde aninhar
Sob a mesma marquise
Novamente se amontoa
Porém, hoje ele está feliz
Pois por um dia
A vida lhe foi boa...
O frio é muito forte
E ele treme sem parar
De tão forte ele delira
Ou quem sabe irá sonhar
Sonhar com a criançada
Com jogo de bola na calçada
Com balas, doces e brinquedos
Pois hoje ele é João
Ele é João sem medo...
O dia amanhece na cidade
A loja abre,
Parece que a briga vai começar
O homem chuta o montinho
Porém ele não sai do lugar
Curiosos se amontoam
Para ver o que aconteceu
Um guarda descobre a criança
E grita,
João morreu!
Porém isto pouco importa
Ele não é meu filho, nem teu.
Direitos autorais AVCTORIS.
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Autor:
Oritas (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 8 de abril de 2025 14:37
- Comentário do autor sobre o poema: Este poema é de 1995...Porém continua tão tristemente atual.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 13
Comentários3
Triste, gostei!
Sim amiga, triste realidade.
Obrigado
SERGIO NEVES - ...meu amigo...,...foste fundo! ...um "relato" que comove! ...pertinentemente assertivo no que tange às tristes realidades desse nosso mundão...,...literária e poeticamente deste o "tom" exato às veras agruras que derramas no escrito...,...sensibilidade pura! // (PS - ...me veio à lembrança uns versinhos meus -parte de um poema inacabado (como inacabados estão outras dezenas tantas de escritos meus), que diz: -"...Criança de rua / Na rua / De cuidados, carente / Mais do que criança de rua / Gente.) /// Abçs.
Oi amigo, procurei chamar à atenção para um mundo que acha prático demonizar sem questionar os fatos, não defendo bandidos é óbvio, porém precisamos separar o joio do trigo, sou músico católico, participo de uma orquestra - OCRJ - orquestra Católica do Rio de Janeiro, e dentro dela temos um projeto ACORDES & VIDA, onde ministramos aulas de música para crianças em situação de vulnerabilidade, é muito lindo ver uma criança de 8, 9, 10 anos tocar um violino, um Sax é até uma bateria...Soluções existem, é só ter vontade e disposição.
Um abraço, grande poeta.
Este link abaixo é da minha orquestra, eu sou o cantor de barba.
https://www.youtube.com/watch?v=M_UR4NollpM
A cultura da falta de altruísmo ou empatia grassa
e se enraíza no coração das pessoas. Um poema
cuja mensagem é aterradoramente atual.
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