ERA UMA QUARTA CHUVOSA QUANDO ACABOU O ENCANTO
E quando, entre um copo e outro, teu nome sai da minha boca?
Não se assuste, meu bem não é uma súplica... só mais um devaneio de um pagão
Só mais uma reza para enterrar no fundo do copo.
Tu, admirável dama do ébano,
Que tens aquele sorriso que mastiga
O rosto simétrico milimetricamente alinhado
Tão fácil de admirar, tão difícil de esquecer.
Seus olhos? Sim, ainda sei a cor da íris para variar...
Fui louco por ti, admito.
Mas não de um jeito simples,
Foi mais um desses caprichos que a vida me trouxe para testar minhas virtudes (santas virtudes)
E tu, tão ciente, fazia de rogada...
Tu, sim, somente tu sabias exatamente onde me encontrar...
Com um olhar, com um gesto, com a palavra que nunca disse.
(Será que me lembro como você diz isso hoje?)
Baixei a guarda, mostrei a fome, a maldita fome nos meus olhos, a sede nos meus lábios...
Tu gostavas disso, né?
Brincadeira de quem já sabe o final.
Tirava-me da letargia, como uma sanguia barata dessas de boteco de garimpo
Brincava sem pressa de deixar o gole amargo se dissolver na garganta.
E o cheiro... esse maldito cheiro!
Confesso, não era fácil perder o gosto disso, mas quem disse que seria?
Lutei para que ele sumisse
Foi muito copo de uísque barato. Com gosto de alcatrão...
Mas tolos, nós dois. Eu tentando esquecer,
E você, jogando com a sorte.
No fim, quem venceu? Quem perdeu?
Olha, nem eu sei mais...
Talvez o tempo, esse velho safado, que adora brincar com as paixões alheias
E ver tudo se decompondo como um cigarro no cinzeiro.
Ele, o tempo, o grande mestre, o senhor de todas as coisas...
Mas e daí?
A vida é feita dessas coisas, já cantava Tim Maia:
"Uns corações nasceram para sofrer, outros para rir."
O meu? Claro, um pouco menos,
Mas ainda ri com classe.
Um riso irônico...
Mas que diabos, falando a verdade, um riso amargo tem seu charme,
Como quem bebe veneno com o antídoto ao lado.
Mas meu bem, se por um acaso, vieres a me provocar novamente
Como naquela quarta fria e chuvosa...
Lembre-se, minha cara... Reflexos, apenas reflexos.
Por trás dos cartazes, por vezes há um detalhe de inox, e convenhamos que mal gosto pela escolha das bebidas...
Meu olhar, esse maldito olhar de cão arrependido depois de mastigar a pantufa da dona...
Vai ver bem mais que fotos e paisagens bonitas.
E só para não perder a nobreza e a ironia, teu rosto simétrico, tua pele de ébano,
Teu sorriso… ah, esse sorriso que deixou marcas,
E fodeu mais um pedaço do meu coração.
Te agradeço, de verdade. Você fez sua parte.
Mas jurei aos céus, vou lembrar sim...
Mas, cá entre nós, prefiro um fígado torado do que ter o coração triturado,
E vou te contar mais: prefiro a indiferença, sei lá, sou meio que único, carrego boas virtudes...
Mas meu ego? O que seria de mim sem meu ego...
Palavras de um homem comum,
Que aprendeu, do jeito mais difícil,
Que há mais liberdade em afogar a saudade num copo de destilado duvidoso, ouvindo Wando, e lendo Nelson Rodrigues
Do que reviver certas paixões que, no fim, não são mais do que fumaça…
E doses diárias de cicuta…
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Autor:
C.araujo (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 18 de março de 2025 22:27
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 1
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