O Dono da Rua

Quando eu era menino, a rua era minha. Não minha no sentido de propriedade legal, mas no sentido de domínio natural. 
Eu e meus amigos jogávamos bola, corríamos, brincávamos de pique, desenhávamos no chão com pedaços de tijolos.
 A rua era um espaço de liberdade, a cidade, um quintal.
Os carros passavam raramente. Ela tinha cheiro de poeira e som de risadas. Tinha árvores que davam sombra e um vento fresco que corria livre. 

Tudo parecia distante e demorado. A espera semanal por revistas novas parecia secular. 
Quadrinhos da Mônica, de uma assinatura que minha mãe fez para mim nos idos de noventa.
Enfim, me mudei por motivos de força maior e passei longos e rápidos seis anos longe.
 A vida adulta tem disso: um ano não dura um mês, as paixões vêm e vão em um final de semana, e a única coisa que parece interminável nestes dias são as oito horas diárias no trabalho. 

E aquela escala nova que estavam propondo será que se perdeu nas gavetas?

Por aqui, se perde muita coisa. País de perdas. Eu perdia minhas sandálias nos montes de areia espalhados pelas áreas verdes — e eram broncas intermináveis e puxões de orelha. 
Tudo o que meu filho consegue perder é a conexão do Wi-Fi, mas isso, acho que foi erro meu.

Quem leu o texto na semana passada e estiver lendo este pode pensar que é mais um texto sobre perdas. Talvez seja mesmo. Mas posso assegurar que achei o caminho de volta para minha rua. 
Não encontrei os velhos, não vi crianças brincando nela, tampouco aquela banca de revistas antiga do seu Conceição, que, mesmo naquele tempo, sempre estava desatualizada. 
Não encontrei o som de bola nas ruas, nem as vozes que reclamavam.

A rua está completamente vazia... E eu, que um dia fui seu dono, sou apenas um estranho.  

Leonardo Ramos