Aviso de ausência de Jonas Teixeira Nery
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Agora sou um homem velho. Meus poucos cabelos estão brancos, cresceram pelos nas orelhas, meu corpo está fragilizado e minhas mãos são fracas. Tenho inflamação na próstata, problema de pressão... Assim é a vida dos velhos. Cada um com sua história. O que fazer? Pouco ou quase nada! Resta entender essa fase da vida das pessoas... Todos nós ou muito de nós passamos por isso.
Agora sento-me perto da janela todos os dias, observando as árvores lá fora. O vento move as folhas suavemente e eu me lembro do meu passado. Muitas lembranças... As memórias vêm como ondas. Algumas me fazem sorrir e outras me fazem lamentar.
Eu tinha uma esposa. O nome dela era Inês. Ela era gentil e atenciosa. Tinha um vigor e estava sempre atenta as necessidades da casa e dos filhos. Tinha um sorriso caloroso e uma segurança inquebrantável. Tivemos dois filhos! Uma menina e um menino. Trabalhávamos duro todos os dias para dar a eles uma vida boa. Eu queria que eles tivessem o que eu nunca tive. Tanto eu quanto minha esposa tivemos muitos problemas em nossas infâncias e juventudes. Nossos pais nos criaram com muita dificuldade e nós queríamos dar uma vida mais tranquila para nossos filhos.
Minha esposa cuidava da casa, preparava as refeições e ajudava as crianças com as tarefas escolares. Nossa casa estava sempre cheia de crianças, amigos dos nossos filhos, principalmente nos finais de semanas.
Os anos se passaram e as crianças cresceram. E eles foram para a faculdade, fizeram amigos e começaram a passar menos tempo conosco.
Eu entendi que eles precisavam explorar o mundo, mas isso ainda me deixou triste. Inês sempre me dizia: Eles voltarão. Eles nos amam. Eu acreditei nela.
Um dia, Inês ficou doente. Ela ficou de cama por muitas semanas. Cuidei dela, cozinhei para ela e sentei ao seu lado. Conversávamos! Lia notícias para ela, colocava música clássica, que ela tanto apreciava, contava histórias para fazê-la rir, mas ela estava muito fraca. Um dia ela olhou para mim e disse: Cuide das crianças. Eles precisam de você.
Uma noite, ela faleceu... Foi uma noite muito triste para mim. Perdi minha referência, meu horizonte...
A casa ficou silenciosa e solitária. Eu esperava que meus filhos ficassem comigo e preenchessem esse silêncio, mas eles estavam ocupados com suas próprias vidas. Eles vinham me visitar cada vez menos. Um dia eles sentaram comigo e disseram: Você não pode ficar sozinho. É melhor você morar em um asilo.
Nesse dia eu entendi que eu tinha que buscar novos horizontes para a minha vida. Não me sentia velho, mas a solidão me aplastava. Eu queria dizer não para a sugestão dos meus dois filhos, mas notei que não havia outra escolha...
Agora estou sentado aqui sozinho. É um local silencioso, limpo. Os dias aqui são longos e as noites frias. Penso em Inês e na vida que tivemos juntos.
Eu me pergunto... Eu falhei como pai? Eu fiz algo errado? Mas não há respostas, apenas silêncio. Essa era uma das divagações frequentes que me inundava as noites de insônias.
Há outros idosos aqui, sentados em suas cadeiras, perdidos em seus pensamentos. Alguns deles falam comigo, mas na maioria das vezes eu fico sentado sozinho. As enfermeiras são gentis, mas estão ocupadas. Elas me trazem comida, me dão remédios e às vezes sorriem para mim.
Todas as manhãs eu acordo cedo. Sento-me perto da janela e observo o sol nascer. A luz pinta o céu com cores e por um momento sinto paz. Então o dia começa e sinto o vazio novamente. Penso nos meus filhos. Onde eles estão? Eles estão felizes? Eles pensam em mim? Lembro-me das vezes em que os carreguei nos ombros. Fomos ao parque, brincamos e rimos. Jogávamos bola, corríamos com o cachorro ou simplesmente corríamos um atrás do outro, rindo, nos dias ensolarados. Fazíamos piqueniques. Inês preparava salgados, doces e sucos...
Ensinei-os a andar de bicicleta e ajudei-os com o dever de casa. Minhas mãos estavam cansadas, mas eu estava feliz. Eles eram meu orgulho, minha alegria, meu tudo.
...mas agora eles estão longe. Às vezes eles me chamam, mas suas vozes são apressadas. Como vai, pai? Eles fazem algumas perguntam, mas prontamente se justificam diante das necessidades de seus afazeres e desligam o telefone prometendo retornar a chamada. Eu entendo. A vida é difícil e eles agora têm suas próprias famílias. Mas ainda assim, eu gostaria que eles pudessem me visitar mais amiúde.
Um dia uma enfermeira me deu um caderno. Ela disse: Escreva suas memórias. Isso ajudará você a se sentir melhor. No começo eu não sabia o que escrever. Minhas mãos tremiam enquanto eu segurava a caneta. Mas então, as palavras começaram a fluir. Comecei a me sentir confortável escrevendo. Era meu diário...
Escrevi sobre Inês, sua voz suave, sua risada. Escrevi sobre meus filhos, seus primeiros passos, suas primeiras palavras, seus sorrisos amplos. O caderno se tornou meu amigo. Todas as noites eu escrevia antes de dormir. Era como se eu estivesse conversando com alguém, compartilhando minha dor e meus sentimentos. Eu não sou cristão, então não rezo, mas essa era a forma de refletir sobre minha vida passada.
Eu esperava que um dia meus filhos lessem e entendessem o quanto eu os amava. Às vezes me pergunto se eles algum dia irão ler isso. Talvez eles estejam ocupados demais para se importar. Talvez eles tenham se esquecidos de mim, assim como se esqueceram de me visitar. Esses pensamentos deixam-me aturdido, mas continuo escrevendo. É a única coisa que posso fazer.
Os dias no aliso são todos iguais. Café da manhã às 8, almoço às 12, jantar às 18. Entre as refeições, sento-me perto da janela ou no jardim. O jardim é pequeno, mas tem flores (rosas, margaridas e tulipas). Às vezes, observo os pássaros. Eles cantam e voam livremente e eu me pergunto se eles sentem alegria ou solidão como eu.
Uma tarde um menino veio nos visitar. Era uma criança frágil, mas alegre. Ele era filho de uma das enfermeiras. Ele sorriu para mim! Seu sorriso me lembrou do meu filho quando ele era pequeno. O menino sentou ao meu lado e perguntou: Você tem alguma história? Assenti e comecei a contar-lhe sobre minha infância. Contei a ele sobre a vila onde cresci. Havia campos verdes, todas as árvores e um rio claro onde costumávamos nadar. Contei a ele sobre meu melhor amigo e como subíamos em árvores e brincávamos de esconde-esconde. Enquanto eu falava, os olhos do menino se arregalaram de excitação. Por um momento, me senti vivo novamente, compartilhando minhas memórias com alguém que ouvia.
Depois que ele foi embora, senti uma estranha mistura de emoções. Fiquei feliz em falar com ele, mas ele também me lembrou da minha família.
Eu me perguntava se meus netos sabiam sobre mim. Eles sabem o quanto sinto falta deles? Eles sabem o quanto eu os quero abraçar?
Uma noite, perguntei à enfermeira se eu poderia ligar para meus filhos. Ela me entregou o telefone e eu disquei o número da minha filha com as mãos trêmulas. Ela atendeu depois de alguns toques. Olá, pai, ele disse, com a voz distante. Eu disse a ela que sentia falta deles e queria vê-lo. Ela disse... Tentarei visita-lo em breve. Mas suas palavras pareciam vazias, como uma promessa que ela não pretendia cumprir.
Naquela noite, não consegui dormir. Fiquei olhando para o teto, pensando na Inês. Ela saberia o que fazer. Ela sempre reunia a família, deixava a casa aconchegante e cheia de amor. Sem ela, tudo desmoronou. Sinto mais falta dela do que as palavras podem descrever.
Os dias se transformaram em semanas e eu esperava na janela todas as tardes. Eu esperava ver um dos carros dos meus filhos chegar. Toda vez que eu ouvia o som do motor de um carro, minhas esperanças aumentavam. Mas todas as vezes era outra pessoa: um visitante de outro morador ou um veículo de entrega.
Assim é a vida dos velhos! Muitas vezes, permanecem em casa, junto a enfermeiras ou cuidadoras, outras vezes até mesmo com a família, mas sempre perdido em seus devaneios, pois os jovens não tem muito tempo ou paciência para eles. Os velhos que insistem em viver, com suas mudanças corporais, psicológicas ou sociais, acabam sendo sempre um estorvo na vida dinâmica dos mais jovens. Vivem na indiferença deste mundo, na ausência imensa de sonhos, alimentando-se das lembranças que ainda persistem, ainda que se apagando paulatinamente, dia a dia...
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Autor:
JTNery (Pseudónimo (
Offline)
- Publicado: 28 de janeiro de 2025 21:20
- Categoria: Conto
- Visualizações: 8
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