Jane

Todos os problemas do mundo
parecem pequenos
diante de uma cama de hospital
cujo leito abriga uma pele enrugada
- e bem tratada para a idade -
olhos verdes que parecem
haver nascido ontem
ossos frágeis e
cabelos loiros misturados nos brancos,
que carregam 80 anos de história
e estão prestes a se despedir...

Um dia fui sua princesa
e você me escrevia cartas mortas de saudade
traçadas de palavras doces
e cheias de sonhos
Agora eu sou uma adulta diferente
provavelmente nada da que você queria que
eu houvesse me tornado
e na minha vida não existe
um amor perfeito como você quis
mas ainda assim existe um amor

Vó, esse poema é uma despedida de uma adulta mal feita
então vou me ater a criança que você um dia amou:
- eu ainda sou a dona do teu anel de rubi bordô
e poderia ser uma advogada em teu nome
(desculpa, eu sou só uma jornalista
mas o anel sobreviveu a mil mudanças de casas)
- a que lembra de você comendo amendoim
ao pé da máquina de lavar enquanto assoviava
qualquer bolero cafona
- a que sente o cheiro das suas roupas limpas de cloro
- a que ainda escuta o som das suas poesias
num almoço de domingo qualquer
- a que carrega um pouco de vaidade extra graças
as suas manias e peculiaridades
- a que se apaixonou por outros olhos verdes tão lindos
quanto os seus

Eles não reconheceram os meus por uma última vez
mas enquanto ainda permaneciam abertos estavam
imponentes,
magníficos e poderosos
como a mulher que você sempre foi.