Em uma pequena aldeia
De um povo bom e pacato,
Havia um grande tormento
Só por causa de um gato
Que, mesmo de barriga cheia,
Meia volta, volta e meia,
Maltratava um pobre rato.
Ele acabava de almoçar
Um rato gordo e bem novo,
Comia o resto das coisas
Deixadas pelo seu povo,
Mas se outro rato passasse
Antes que o pobre piscasse,
Ele atacava! Que estorvo!
Dava tapas e pontapés
Nos ratos só por maldade,
Quebrava da orelha aos pés
Sem dó e sem piedade,
Destroçava os bichinhos
Que ficavam quebradinhos,
Quanta infelicidade!
Fosse em qualquer lugar
A desgraça acontecia,
Não queria saber a hora
Se calor ou frio fazia,
Quando o ratinho passava
O bichano em cima pulava,
Credo em cruz, Ave – Maria!
Anos e anos a fio
Que triste situação,
Os ratos perderam o brio
A coragem e a emoção,
Já não havia alegria
Davam gritos de agonia,
De cortar o coração.
Naquela aldeia distante
Era enorme a tristeza,
O gato não respeitava
As leis da mãe natureza,
Era o forte, o poderoso
Astuto e bem perigoso,
Era o rei da esperteza.
Foi então que apareceu
Uma ideia genial
Reunir todos os ratos
E com um quorum legal,
Discutir bem o problema
Com regras e teoremas,
Pra que tivesse um final.
E saíram anunciando
Pelos campos da aldeia,
Tudo aquilo era preciso
Pois a coisa estava feia,
Marcaram pra meia noite
-Se o gato desse um açoite-
Para meia noite e meia.
A repercussão foi tanta
Ratos correram à vontade,
Queriam dar um final
Para aquela atrocidade,
Acabar de uma vez
E colocar no xadrez,
O gato - rei da maldade!
Em data e hora marcadas
Chegaram, pontualmente,
Para abrir os trabalhos
Convocaram o presidente,
Que era o rato mais antigo
E mesmo correndo perigo,
Ele enfrentou o batente.
- Amigas e companheiros
Aberta está a sessão,
Quero que falem bastante
Mas nada de confusão,
Vamos arranjar um jeito
Dentro da lei, do direito
E afastar o valentão.
Um rato disse: - Eu proponho
Queimá-lo com água quente,
Arrancar a língua dele
E não deixar um só dente,
Só assim ele sossega
Deixa de ser gato brega,
E de correr atrás da gente.
O outro disse: - Amigo
Não queremos brincadeira,
Apesar de tão esperto
Estás a dizer besteira,
Como é que vamos botar
A água pra esquentar,
Se nós não temos chaleira?
O outro disse: - Meninos
Já que assim não pode ser
Ocorreu-me uma ideia
De uma armadilha fazer
Para pegá-lo de jeito
Tascar-lhe um tiro no peito,
E olhar o bicho morrer!
- ó meu camarada rato,
Tu estás é ficando louco
Para matar o meliante,
Um exército seria pouco,
Queria aqui neste instante
Alguma coisa brilhante,
Ou é melhor ficar mouco!
Então fizeram uma pausa
Para tomar um cafezinho,
Depois de uma meia hora
Voltaram pros seus cantinhos,
Recomeçaram o debate
Pois estavam num empate,
De arrebentar os focinhos!
Eis que surgiu outro rato
Bonito e muito galante,
Com uma nova ideia
Pra lá de interessante:
- Escuta só, pessoal,
O bichano vai ficar mal,
Vou explicar num instante.
Pegamos este atrevido
Colocamos uma sineta,
Amarrada em sua goela
A propaganda está feita,
Quando ele se apresentar
A sineta vai avisar,
Estaremos à espreita!
Assim correremos todos
Nada ele pode fazer,
Acaba-se a violência
Ninguém precisa morrer,
Vamos fazer tudo certo
Quando ele estiver por perto,
Isto irá acontecer!
“Bravos, viva, maravilha!”
Todo mundo ali gritou,
O ratinho ficou feliz
E assim se expressou:
- Obrigado, de coração,
Ouvi a voz da razão
E muito feliz estou!
Um ratazana maduro
Estava ali matutando,
Viu que um tiro no escuro
Os ratos estavam dando,
Terminada a exposição
Com pertinência e razão,
Ao rato foi indagando:
- Parece excelente o plano
Apesar do alvoroço,
Também não é desumano
Mas responda já, seu moço,
Pode ser uma bobagem
Mas quem é que tem coragem,
De colocar no pescoço?
Reinou um grande silêncio
Uma coisa sem igual,
O ratinho proponente
Acabou passando mal,
Disse: - Gente, eu gostaria,
Mas me deu uma agonia
Vou correndo ao hospital!
Outro disse: - Eu também
Já estou velho e doente ,
Com uma perna quebrada
Não tenho sequer um dente,
Não vou dar uma de herói
A patada do gato dói,
Posso morrer de repente.
Uma ratinha bonita
Disse : - Eu quebrarei o galho,
Atraindo esse monstro
Com o barulho do chocalho,
Quando ele botar a cara
Vocês todos, com uma vara,
Vão terminar o trabalho!
Eles disseram: - É loucura
Ninguém pode se arriscar,
Pois essa vil criatura
Uma peça vai nos pregar,
Quando ele descobrir
Que vamos lhe atrair,
Para um guizo lhe botar!
E após tantas desculpas
Saíram, bem de mansinho,
A reunião deu em nada
Não encontraram o caminho,
E o rato proponente
Apesar de inteligente,
Que pena! Ficou sozinho!
***
O fato se assemelha
Ao de uma grande nação,
Onde existem projetos
Que custam mais de um milhão,
Mas depois do lero-lero,
O resultado é zero
E grande a decepção!
(Maria do Socorro Domingos)
- Autor: Maria do Socorro Domingos ( Offline)
- Publicado: 15 de agosto de 2024 20:38
- Comentário do autor sobre o poema: Cordel inspirado na fábula "A assembleia dos Ratos" atribuída a Esopo, fabulista grego do século VI, A.C.
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 5
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