A ASSEMBLÉIA DOS RATOS (CORDEL)

Maria do Socorro Domingos

Em uma pequena aldeia

De um povo bom e pacato,

Havia um grande tormento

Só por causa de um gato

Que, mesmo de barriga cheia,

Meia volta, volta e meia,

Maltratava um pobre rato.

 

Ele acabava de almoçar

Um rato gordo e bem novo,

Comia o resto das coisas

Deixadas pelo seu povo,

Mas se outro rato passasse

Antes que o pobre piscasse,

Ele atacava! Que estorvo!

 

Dava tapas e pontapés

Nos ratos só por maldade,

Quebrava da orelha aos pés

Sem dó e sem piedade,

Destroçava os bichinhos

Que ficavam quebradinhos,

Quanta infelicidade!

 

Fosse em qualquer lugar

A desgraça acontecia,

Não queria saber a hora

Se calor ou frio fazia,

Quando o ratinho passava

O bichano em cima pulava,

Credo em cruz, Ave – Maria!

 

Anos e anos a fio

Que triste situação,

Os ratos perderam o brio

A coragem e a emoção,

Já não havia alegria

Davam gritos de agonia,

De cortar o coração.

 

Naquela aldeia distante

Era enorme a tristeza,

O gato não respeitava

As leis da mãe natureza,

Era o forte, o poderoso

Astuto e bem perigoso,

Era o rei da esperteza.

 

 

Foi então que apareceu

Uma ideia genial

Reunir todos os ratos

E com um quorum legal,

Discutir bem o problema

Com regras e teoremas,

Pra que tivesse um final.

 

E saíram anunciando

Pelos campos da aldeia,

Tudo aquilo era preciso

Pois a coisa estava feia,

Marcaram pra meia noite

-Se o gato desse um açoite-

Para meia noite e meia.

 

A repercussão foi tanta

Ratos correram à vontade,

Queriam dar um final

Para aquela atrocidade,

Acabar de uma vez

E colocar no xadrez,

O gato - rei da maldade!

 

Em data e hora marcadas

Chegaram, pontualmente,

Para abrir os trabalhos

Convocaram o presidente,

Que era o rato mais antigo

E mesmo correndo perigo,

Ele enfrentou o batente.

 

- Amigas e companheiros

Aberta está a sessão,

Quero que falem bastante

Mas nada de confusão,

Vamos arranjar um jeito

Dentro da lei, do direito

E afastar o valentão.

 

Um rato disse: - Eu proponho

Queimá-lo com água quente,

Arrancar a língua dele

E não deixar um só dente,

Só assim ele sossega

Deixa de ser gato brega,

E de correr atrás da gente.

 

O outro disse: - Amigo

Não queremos brincadeira,

Apesar de tão esperto

Estás a dizer besteira,

Como é que vamos botar

A água pra esquentar,

Se nós não temos chaleira?

 

O outro disse: - Meninos

Já que assim não pode ser

Ocorreu-me uma ideia

De uma armadilha fazer

Para pegá-lo de jeito

Tascar-lhe um tiro no peito,

E olhar o bicho morrer!

 

- ó meu camarada rato,

Tu estás é ficando louco

Para matar o meliante,

Um exército seria pouco,

Queria aqui neste instante

Alguma coisa brilhante,

Ou é melhor ficar mouco!

 

Então fizeram uma pausa

Para tomar um cafezinho,

Depois de uma meia hora

Voltaram pros seus cantinhos,

Recomeçaram o debate

Pois estavam num empate,

De arrebentar os focinhos!

 

Eis que surgiu outro rato

Bonito e muito galante,

Com uma nova ideia

Pra lá de interessante:

- Escuta só, pessoal,

O bichano vai ficar mal,

Vou explicar num instante.

 

Pegamos este atrevido

Colocamos uma sineta,

Amarrada em sua goela

A propaganda está feita,

Quando ele se apresentar

A sineta vai avisar,

Estaremos à espreita!

 

Assim correremos todos

Nada ele pode fazer,

Acaba-se a violência

Ninguém precisa morrer,

Vamos fazer tudo certo

Quando ele estiver por perto,

Isto irá acontecer!

 

“Bravos, viva, maravilha!”

Todo mundo ali gritou,

O ratinho ficou feliz

E assim se expressou:

- Obrigado, de coração,

Ouvi a voz da razão

E muito feliz estou!

 

Um ratazana maduro

Estava ali matutando,

Viu que um tiro no escuro

Os ratos estavam dando,

Terminada a exposição

Com pertinência e razão,

Ao rato foi indagando:

 

- Parece excelente o plano

Apesar do alvoroço,

Também não é desumano

Mas responda já, seu moço,

Pode ser uma bobagem

Mas quem é que tem coragem,

De colocar no pescoço?

 

Reinou um grande silêncio

Uma coisa sem igual,

O ratinho proponente

Acabou passando mal,

Disse: - Gente, eu gostaria,

Mas me deu uma agonia

Vou correndo ao hospital!

 

Outro disse: - Eu também

Já estou velho e doente ,

Com uma perna quebrada

Não tenho sequer um dente,

Não vou dar uma de herói

A patada do gato dói,

Posso morrer de repente.

 

Uma ratinha bonita

Disse : - Eu quebrarei o galho,

Atraindo esse monstro

Com o barulho do chocalho,

Quando ele botar a cara

Vocês todos, com uma vara,

Vão terminar o trabalho!

 

Eles disseram: - É loucura

Ninguém pode se arriscar,

Pois essa vil criatura

Uma peça vai nos pregar,

Quando ele descobrir

Que vamos lhe atrair,

Para um guizo lhe botar!

 

E após tantas desculpas

Saíram, bem de mansinho,

A reunião deu em nada

Não encontraram o caminho,

E o rato proponente

Apesar de inteligente,

Que pena! Ficou sozinho!

 

***

 

O fato se assemelha

Ao de uma grande nação,

Onde existem projetos

Que custam mais de um milhão,

Mas depois do lero-lero,

O resultado é zero

E grande a decepção!

 

 

(Maria do Socorro Domingos) 

 

  • Autor: Maria do Socorro Domingos (Offline Offline)
  • Publicado: 15 de agosto de 2024 20:38
  • Comentário do autor sobre o poema: Cordel inspirado na fábula "A assembleia dos Ratos" atribuída a Esopo, fabulista grego do século VI, A.C.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 5


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