O PILOTO AMIGO Ocorreu que o Natan, sem saber como, se viu amigo do Evandro, piloto de um monomotor, ambos solteiros. Essa solteirice era a afinidade que os ligava. Assim que chegava de uma viagem pela cidade, o piloto procurava o Natan para um jantar. Quando se entretinham entre pequenos goles de uísque Seagram's, bebida opcional do amigo piloto. O jovem piloto de 28 anos, elegante, meigo – e ingênuo até certo ponto– pois não havia malícia, nem subterfúgios nos seus diálogos. Parece que a sua solidão nos voos permitiam-lhe pensamentos íntimos dos mais singelos, influenciados pela beleza das nuvens, das florestas, dos rios; aldeias, tortuosas estradas, campos de futebol em solitárias fazendas. E de currais onde alguns animais dispersos da boiada, ali, se deitavam. E, afinal, pela deliciosa liberdade de voar sobre extensas culturas de soja.
Uma noite ele chegou de surpresa e convidou o Natan para jantar, desta vez, com cerveja. A empregada, ao sair, sorridente lhe saudou: "boa noite, senhor Evandro..."
–Meu caro, hoje, tomei quatro comprimidos de Pletil 500 mg, contra giardíase. A droga com álcool produz efeito antabuse, e me provoca vômito. –Vamos, rapaz, vamos jantar, vim de longe pra lhe ver. De tanto insistir, o Natan respondeu:
–Está bem, eu vou beber, se vier com vômitos saberei o motivo.
E, afinal, para sua surpresa sentiu somente uma leve zonzura e boca amarga, que não chegaram a desfazer o prazer da bebida. Então, não se sabe se foi o efeito colateral das drogas que o fez disposto à transparência, com o que se confessava predisposto à melancolia e chegando ao tipo de depressiva. Abriu a janela da alma a permitir para o amigo conceber as suas confidências. Assim, por um lapso deixou soltar a sua vivência, dita como muito instável. O bate-papo se prolongou até meia-noite. De retorno, na entrada do apartamento do Natan, o Evandro se postou um tempo calado, depois comentou: "pelo que você me conta, Natan, você curte muita solidão. Isso não lhe é salutar. Estou à sua disposição, apesar de nossos encontros fortuitos." E, de novo, apresentou-se concentrado, em pausa, como à procura de uma retórica. O Natan se fez na expectativa de seu discurso e a mente viajou suspeitosa, no entanto, em silêncio. Finalmente, o Evandro comentou: "você tem sido uma pedra inconstante e nunca chegou a criar limo. Rolou demais." E concluiu: "é necessário ter laços, meu amigo." O Natan, mais desconfiado, permaneceu em alerta sobre o que seria esse– 'ter laços'... E continuou: "sou solitário como piloto. Ouça o que diz o Saint-Exupéry, piloto e autor de O Pequeno Principe:
"O essencial é que fique em alguma parte aquilo de que vivemos. E os costumes. E a festa da família. E as lembranças. O essencial é viver para a volta." Pelo que percebi, na sua vida sem um lar, faltou-lhe um lugar de retorno. Eu tenho os laços da casa dos meus pais, minha família; é, ali, que está o meu esteio contra a solidão e o desamparo." A luz da rua refletia o brilho lacrimoso no olhar do Natan.
Despediram-se.
O Natan mudou de cidade. E nunca mais se viram.
- Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 20 de julho de 2024 22:32
- Categoria: Conto
- Visualizações: 7
Comentários1
Um conto interessante! Quando não se está preparado para uma relação mais próxima o melhor é por um fim.
Bom dia , caro Maximiliano Skol!
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