MULHER CASADA
Conheci o Joaquim nos anos 60. Era um mulherengo. Contudo, respeitava o laço familiar, donde só se envolvia com mulher descompromissada. Até no prostíbulo ele evitava mulheres com algum "rabicho". Além de moralista, seguidor do filósofo Huberto Rohden, tinha preceitos confucionistas, no entanto, arredio à ideia de uma construção familiar. Tornou-se fã da revolução castrista, em Cuba, e se referia ao "paredón," com um forte entusiasmo, pelo que Fidel Castro se desfazia dos inimigos da revolução.
Ele era de cultura eclética, um tanto paradoxal, mas não se dava ao proselitismo de suas convicções, exceto pela ferenha ideia de odiar um mentiroso. "Prefiro um tapa na cara do que ser chamado de mentiroso." Celibatário, desdenhava da homossexualidade. E comentava com ironia: o Brasil é o melhor país. Aqui o veado tem trejeitos suaves, femininos, em contraposição com o europeu, bruto e duro, incapaz de expor-se pela linguagem corporal. Nosso Brasil é um país maravilhoso, até na viadagem levamos vantagem. Bebia, esporadicamente, mas quando o fazia, tendia ao exagero. Era afeito a cachimbos, que lhe prestavam um ar de elegância, condizente com status de intelectual. Gostava de ouvir bandas de músicas com a justificacão de admirar a destreza rítmica do baterista. E chegava a julgá-los, tendo como referência o Buddy Rich. Era pacífico e altruista. Muito articulado em questões abstratas, política, fiosofia, ética social, e religião; e esses temas lhe prendiam em conversa horas a fio. Certa vez a negócio, numa cidade, durante um festejo, compartilha a mesa com um estranho que lhe trouxe um papo agradável nos seus assuntos preferidos. Aproxima-se da mesa uma mulher em choros, aparentemente, embriagada e ajoelha-se apoiando a cabeça sobre as mãos cruzadas no joelho do interlocutor, quebrando a sequência do seu raciocínio. Incomodado, o Joaquim pergunta: "Quem é esta mulher?" "É uma amiga." "Solteira?" "Casada." "Ah, mulher casada pra mim é homem."
A festa continuou e o Joaquim permaneceu sozinho, abstraído pela música do conjunto com o baterista que julgou excepcional. E continuava a requisitar do garçom doses de Cuba Libre. Pouca gente restava no ambiente. Aproximam-se dele dois homens. Um deles quebra-lhe o cachimbo ao meio, joga os pedaços com veemência no seu Cuba Libre, que verteu na mesa. E diz: "retira-se daqui. Minha mulher está chorando até agora. O senhor a maltratou. Vamos, saia."
–Vamos conversar, meu senhor, como a maltratei? Eu não me lembro..." E os dois homens o levam, quando é nocauteado na rampa da saida. Embaixo, no chão, recupera os seus sentidos e, instintivamente, protege o rosto com as mãos, precavendo-se de chutes. Mas ao seu lado estava o policial que lhe estende um lenço branco. Escorria sangue do nariz. O policial o protege até o seu carro. No hotel, ele, com vergonha de manchas de sangue nas vestes, foge com a mala pela janela. Decide respirar do susto na cidade seguinte e entra no primeiro restaurante que abria as portas no romper da aurora. Solicita uma dose dupla de Rum Bacardi e uma Coca-Cola. Entra o segundo freguês, que vendo de longe o manchado Joaquim, com ironia, murmura: "esta noite alguém se deu mal." Atitude típica de curtido alcoólatra, que exclama: "Dá-me uma "51". Então o Joaquim, livre do seu palimpsesto, lembra: "mulher casada pra mim é homem." E repete "mulher casada pra mim é homem." Meu Deus!... Sendo homem, ainda se pressupõe preferência de relação sexual por via diversa. Não havia outra explicação para o delírio de um doentio marido ciumento. Ou, o sujeito é bom de briga...
Ingere metade do copo e se lastima: "em terra alheia, pisa no chão devagar..." –Que mancada!!
- Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 18 de julho de 2024 00:54
- Categoria: Conto
- Visualizações: 17
Comentários1
Muito bom! Um conto agradável de ler. Mas este Joaquim era terrível, meu querido Maximiliano Skol!
Abraços,
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