Alter ego
Sentei-me à mesa do "Avenida Bar." Não há paredes onde se dispõem as mesas. Quem ali se senta é para ver e ser visto.
Do garçom solicito uma vodca e com a recomendação de não ser falsa. —Vou lhe servir a melhor, aqui, na sua presença. Eu via pessoas sem me ter consciência delas. Senti-me introspectivo. Antes de solicitar outra dose, senta-se à mesa, sem cerimônia, um idoso e fazendo-se de íntimo amigo. O garcom me serve com exagerado "choro" de vodca. O velho se espanta: não se intoxique, cuida da sua saúde, seu metabolismo não é o mesmo. Brindo-lhe com o copo no ar: "salute," meu velho. Olho para ele, que com seus olhos lerdos via os passantes. E víamos juntos os passantes na avenida. E de repente noto, nos olhos lacrimados, um olhar tristonho e profundo, mas transparente que até me permitiu, virtualmente, a ler a sua alma. A retinas pareciam ter- me aberto a janela do seu sentir.
Que pensas? A vida. Quão misteriosa me tornou ela nos meus anos. Eu nunca vivi, realmente. Estúpido, ignorante, e ingênuo nunca senti a vida. Sabia do estar vivo, no entanto, sem ter a noção certa de existência; igual beber essa vodka é ter a certeza de que, por ser liquida, não é água. Olha o pombos, lá sobre o fio elétrico de alta tensão, como felizes eles são. Já têm no subconsciente, ou na sua senciência o sentido de vida. Felizes aceitam os percalços, confiantes em que o Criador os cuida. Eu fiz tudo errado. Nem sabia que vivia. Fui qual um zumbi. Eu era uma inconsciência total do milagre da vida, em que fui apenas um hedonista... Enxugou os olhos com a polpa do polegar, como disfarce. De pálpebras quase cerradas tendia a esconder-se. Do que se lamenta? Lamento não ter tido consciência desta maravilha que só nos dias de hoje a percebo. Inacreditável milagre de todos os milagres cósmicos, meu amigo. Olha o pôr do sol, ouça os periquitos, ouça a farra deles ao dormirem nas árvores da avenida! Veja, tudo é festa, alegria. Como me foi bom e estupendo estar vivo até me chegar a pensar com lamentos... É maravilhoso, mesmo somente agora, perceber a vida. Tudo é surreal... Parece que a sua vodca surtiu-me efeito por empatia à nossa idade. Enquanto ele estava longínquo e pensativo, desloquei- me ao sanitário. Então ele advertiu: cuidado, você já cambaleia.
De volta, não vejo o velhinho. Queria dele me despedir.
—Aonde foi o meu amigo?
—Que amigo, respondeu o garçom.
Tangará da Serra, 01/07/2024
- Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 2 de julho de 2024 15:32
- Categoria: Conto
- Visualizações: 10
Comentários2
Excelente conto. Adoro finais inusitados.
Boa noite, caro poeta Maximiliano Skol.
Minha querida Leide, gratidão pelo comentário exatamente vindo de você com embasada e prolífica produção literária.
Que tenha uma abençoada noite.
Beijos.
Muito bom querido poeta e contista. Maximiliano Skol. Sempre é agradável ler os teus "pensamentos escritos" e percebo que a inspiração e criatividade estão em dias.
Um forte abraço, mestre!
Que surpresa, meu querido Shmuel... Quão feliz me sinto em ter o registro de uma visita sua!!
Gratidão, meu amigo, pelo comentário.
Um forte abraço.
Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.