Folhas de outono
À zero hora e seis minutos do dia 20 de março de 2024 uma nova estação se apresenta fora de nós. Aqui no Brasil, o outono. Equinócio. Mudança de frequência. Novas diretrizes. Folhas ao vento. E o calor persiste. Dentro de mim também persiste uma saudade intensa, algo que ora esmaga ora abraça. Um vazio que se preenche de memórias e fantasias que, eventualmente, misturam-se e desdobram-se em risos e lágrimas e desejos. Um dia estive em seu ventre, mamãe. Também fui alimentada pela seiva da vida que derramava-se tal qual cachoeira das suas montanhas de afeto. O seu abraço era sempre o mais cálido, o mais verdadeiro. O seu olhar sempre compreendia tudo o que eu dizia e o que eu não tinha coragem de falar. As suas palavras tinham intenção de me fortalecer, mesmo quando nada saía dos lábios seus... Eu adorava tocar seus cabelos pretos, encaixar meu pequeno e frágil corpo nas curvas do seu lar, como se eu pudesse me sentir de novo nutrida apenas pelo cordão umbilical, laço este que parece ter sido desfeito apenas naquele dia de início de outono num ano que cada vez mais distancia-se da minhas lembranças. Dia 20 de março de 2015. Era apenas mais uma manhã, mais um abraço, mais um bom dia, mais um “Eu te amo”, mais uma companhia. Eu estava na cozinha preparando o café, você estava no quarto se arrumando. Chamei seu nome para começar uma conversa. Nada. Silêncio. Larguei o que estava fazendo e fui correndo ao seu encontro. Olhos vidrados. Calça a meio caminho. Corpo estendido. Sem respiração, sem pulsação, sem calor. Ambulância. Liga para irmã. Espera. Ansiedade. Tensão. Paramédicos. Fujo dali. Escondo-me. Não quero ouvir. Óbito, alguém pronuncia. Sinto muito, mais vozes, mais gente, mais tudo, menos você. Desde então, as chegadas dos outonos têm sido dolorosas, embora ressignificadas por uma vida inteira que eu queria te contar, mamãe. Queria dizer que tive um filho, que ele adoraria chamá-la de vovó, que você iria achar que ele se parece comigo e que vocês se amariam tanto que seriam cúmplices e eu teria que arcar com as consequências disso. É só um sonho, eu sei. Tudo fruto da minha imaginação. Eu falo da senhora para ele, mostro nossas fotos, conto histórias nossas, ele acha graça e quer sempre saber mais um pouco. Meu coração se aquieta. Há vida! Uma nova estação, uma nova frequência. É isso, não é? Sigamos, então!
- Autor: noi soul ( Offline)
- Publicado: 20 de março de 2024 10:03
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 9
Comentários1
Emocionante o seu texto sobre uma tristeza que não se pode descrever! E sua expressão em letras traduz todo o afeto e amor muito mais que a suposta perda. São palavras de quem acredita muito mais no amor do que na morte.
Forte abraço, poetisa
Gratidão, querido Poeta! Um abraço 🙂
Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.