ELEGIA AO MEU RING NECK, LUPI
Foi assim, meu Ring Neck, chegaste em casa!!
Recém-nascido, em penugem, coordenação motora incipiente, choravas desesperadamente.
Choroso por carinho materno...
Que mãe tinhas, pois vieste no bagageiro da eronave, onde a cunhagem (imprinting) te fora de vez a ti negada?
Mas o contato em carinho de suaves dedos te fez calar.
E de mamadas por gavagem te nutriste.
Quem diria que chegarias à beleza de tua raça.
Tuas esverdeadas penas...Quanto tempo me pus a admirar as suas simetrias
Foste de uma criação divina.
E começaste a falar:
"Cadê a mamãe? Cadê a Gabi? Quero tomar banho"
Teus pezinhos, tuas unhas afiadas...
Como as usava para coçar as narinas e o pescocinho!!
Tuas pupilas reagiam de acordo com as emoções.
Tua toalete dava inveja.
Tua vaidade na toalete diária era coisa de princesa.
Eras elegante, meu querido, e demontravas pose de nobreza.
Se beijavas algo que te atraía, regurgitavas
simulando alimentar a tua prole..
Gesto intuitivo, instintivo, sazonal e atávico.
Tinhas noção de vaidade, de orgulho e até de exibicionista.
Tua alegria esbanjava felicidade a outrem.
Que era eu. Absorto, te admirava, e a agradecer ao Criador tua formosura.
E me sintonizava com o Cosmos.
Assim que nasceste, já sabias como interagir.
Não sabias interagir, aliás, aprendeste essa comunhão para te localizar gregário.
E eufórico descobriste que isso te era bom.
Tinhas rasgos de independência para encontrares a tua individuação.
E me vias teu igual.
Tinha de ser teu igual, caso contrário, não seriamos conviventes.
E tinhas tua soneca a horas marcadas,
tuas fantasias amorosas com uma fofa almofada ou um imoji de pano. E te deitavas em delícias, minutos a fio com amizades imaginárias.
Eras tão tranquilo!
Eras tão feliz!
E me lembro de ti quando, em teu último passo, saiste da gaiola esgueirando-te pela vez última a me dares o teu pezinho
Depois tu me pulaste no ombro e disseste:
"Tudo bem? tudo bem? Oi, tudo bom?"
Beijei teu peito.
Em crise de euforia gritaste,
articulaste palavras indecifráveis.
Em entusiasmo, tagarela, eufórico disseste:
"Dá tchau, dá tchau, dá tchau"
e (a agarrar o meu dedo com a perninha esquerda) terminaste: "tchaauu..."
Esse enigmático prolongado "tchau"...?
E me beijaste a boca, costume todo teu,
para a recíproca de um beijo.
Dei-te outro beijo no peito,
beijaste-me a testa emocionado.
E tagarela contou-me, do teu pensar, o indecifrável!
E minutos depois o teu fatidico "tchau" se concretizou
O vento inoportuno abriu a imensidão pela porta...
Tu me deixaste...
Estavas, de verdade, sob um vaticínio?
Fora um vaticínio!!
Por que me deste adeus?
Por que a mim não me cabe a ser onisciente?
Nem, tampouco, ser onipresente?
(Mas esqueci-me das leis de Murphy)
Pois não sei onde estás.
Ah, agora, não mais te espero, o sol se pôs.
Nem mais minha esperança tem lamento.
E como é triste ouvir os passarinhos
a voarem na imensidão– me dão inveja,
por ti, meu Ring Neck, que não voavas.
Fizeram-te em prisão predestinado.
E agora testaste tuas asas inocentes
num voo acidental, que não querias.
Esqueceste da antiga experiência
e cometeste, de novo, o antigo erro.
Quando, de volta em casa, traumatizado não voaste sequer a distância de um pulo, durante seis meses.
Porque sofreste quando estiveras perdido
Estás morto, meu querido, eu suponho.
Predadores tiraram-te a vida.
Mas, nisso, foi só um momento, possa ter sido rápido
A tua angústia passou, tudo passa.
Vejo-te a todo instante, repetido:
dando o seu último passo da gaiola.
esgueirando-te para minha mão.
E sobre o meu ombro dizendo:
"Ei, tudo bem? Tudo bom?"
Ainda no neu ombro estendias o pescocinho a beijar-me a boca
(Não satisfeito com único beijo,
em sequência, após leve pausa,
repetias beijos.)
Quão alegre ficaste, meu querido,
E o resto...
Eu só sei que tu voaste...
Pra nunca mais...
Eu choro convulsivo, choro.
Eu choro...
E lágrimas derramo em torrentes.
Estou triste, tristeza tão dolente. Irreparável é a dor que minh' alma sente.
Estás bem, pois não estás, aqui, no mundo.
Ao etéreo teu espírito ressuscitou.
E, lá, no etéreo, então, nós viveremos.
Meu amado periquito, estás morto?
Tua ausência sem retorno me diz que descansaste.
Mas, se estás com alguém, que desgraça!
Não poderás repetir os mesmos gestos,
as aprendidas palavras, os trejeitos elegantes pra mim–tua audiência.
Tu sofrerás sem a tua ração própria,
tuas penas vão mudar, vão cair...
Terás um corpo deficiente, sem energia E terás mais trinta anos de existência.
Sofrendo, penando...
Tua merenda, às 22 horas, no feitio de papinha.
Quando dizias: "Gostoso, nê!...Gostôoso!"
À tardinha a ansiedade para o conforto do sono no aposento de penumbra.
E vejo-te, nesta tarde, com o teu pressuroso querer para o sono.
Esquecerás o passado.
Sofrerás o presente.
Não tens meios de suicídio,
tua vida será um inferno a não ser
que um misericordioso predador cometa a tua sentença em morte prematura–a tua salvação.
Que destino ingrato te programou
desde a incubação do teu genoma!!
Uma pequena vida a sofrer
e a provocar em mim tanta dor.
Por empatia existencial
Esquecerás teus monólogos em solidão:
" Um, dois, três!...Gool."
Qando expandias tantas alegrias.
Esquecerás de mim, imagino.
Nossa mente tem disso–esquece o amor, a mágoa, as manhãs ensolaradas. As noites tão bem dormidas em silêncio, em segurança.
Outras angústias te invadirão a alma e perderás a tua obstinação, só tua.
A pirraca, as tuas exigências
sem ninguém para atendê-las (sofrerás lavagem cerebral)
Serás um tipo de autista.
Mães choram pelos filhos na guerra,
Inconsoláveis pelos filhos entre desgraça
Eu choro por ti, meu periquito.
Ouço-te falar, ouço-te em gritos de euforia. E pior, ouco-te em gritos por companhia
quando solitário te sentias.
Ouvia-te com fome, ou com sono...
Não te ouço, o teu comunicar: "Gostôoso, né"? quando me vias à mesa...
Ah, o teu cheirinho de penas...
Ecoam na minh' alma todos os gritos de tua angústia...
O desespero de não ter uma companhia ao lado,
O adejar frenético das asas...
O tremor muscular do corpo inteiro
pelas catecolaminas do desespero...
Procuraste algo no teu voo,
encontraste o infermo.
Queria eu ter um sepulcro teu, aqui, em casa
e, ao teu lado, desejar-te descanso eterno ( junto a São Francisco de Assis).
Ah, uma boa noite não mais te espera, quando o sol se põe e a luz em casa se apaga.
A tormenta passou, estás em calmaria.
O como é triste ouvir os passarinhos, que ao voarem na imensidão me dão inveja, por ti.
E tentaste tuas asas inocentes
num voo acidental, que não querias.
Esqueceste da antiga experiência,
e cometeste, de novo o mesmo erro. Estás morto, meu querido, eu suponho. Predadores tiraram-te a vida
Tnhas muito apego a mim, e na solidão me chamavas:
" Oi, Lupi?" Eu respondia; "Oi, Lupi!", e daí interagíamos.
Bom que os teus dias foram precoces.
Tua longevidade me doía..
Em paz tu estás.
Mas nunca o tempo me tirará a dor da tua ida.
Pois, se tudo passa...
Será que me passa?
Tangará da Serra, 05/09/2023
- Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 9 de agosto de 2023 17:26
- Categoria: Conto
- Visualizações: 3
Comentários1
Boa noite,
poeta Maximiliano:
Entendo o que
o amigo poeta
está sentindo
pelo que ocorreu
com o seu Lupi.
Tenho bichinhos
de estimação
também.
Nós os amamos
e eles nos amam.
Mas acalme o
coração.
Ele está bem
onde quer
que esteja!
Recebeu
abrigo,
cuidados
e carinho
quando
estava
contigo.
Isso que
é importante.
Boa noite
e muita paz!
Carinhoso abraço,
Lia
Querida amiga, Lia, gratidão por, sensibilizada, partilhar comigo essa elegia e pela paciência de percorrer na leitura o longo texto.
Uma boa noite.
Um beijo.
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