Maximiliano Skol

ELEGIA AO MEU RING NECK, LUPI.

ELEGIA AO MEU RING NECK, LUPI

Foi assim, meu Ring Neck, chegaste em casa!!
Recém-nascido, em penugem, coordenação motora incipiente, choravas desesperadamente.
Choroso por carinho materno...
Que mãe tinhas, pois vieste no bagageiro da eronave, onde a cunhagem (imprinting) te fora de vez  a ti  negada?
Mas o contato em carinho de suaves dedos te fez calar.
E de mamadas por gavagem te nutriste.
Quem diria que chegarias à beleza de tua raça.
Tuas esverdeadas penas...Quanto tempo  me pus a admirar as suas simetrias
Foste de  uma criação divina.
E começaste a falar:
"Cadê a mamãe? Cadê a Gabi? Quero tomar banho"
Teus pezinhos, tuas unhas afiadas...
Como as  usava para coçar as narinas e o pescocinho!!
Tuas pupilas reagiam de acordo com as emoções.
Tua toalete dava inveja.
Tua vaidade na  toalete diária era coisa de  princesa.
Eras elegante, meu querido, e demontravas  pose  de nobreza.
Se beijavas algo que te atraía, regurgitavas
simulando alimentar a tua prole..
Gesto  intuitivo, instintivo, sazonal e atávico.
Tinhas noção de vaidade, de orgulho e até de exibicionista.
Tua alegria esbanjava felicidade a outrem.
Que era eu.                                      Absorto, te admirava, e a agradecer ao Criador tua formosura.
E me sintonizava com o Cosmos.
Assim que  nasceste,  já sabias como interagir.
Não sabias interagir, aliás, aprendeste essa comunhão para te localizar gregário.
E eufórico descobriste que isso te era bom.
Tinhas rasgos
de independência para encontrares a tua individuação.
 E me vias teu igual.
Tinha de ser teu igual, caso contrário,  não seriamos conviventes.
E tinhas tua soneca a horas marcadas,
tuas fantasias amorosas com uma fofa almofada ou um imoji de pano.                                            E te deitavas em delícias, minutos a fio com amizades imaginárias.
Eras tão tranquilo!
Eras tão feliz!

E me lembro de ti quando, em teu último passo, saiste da gaiola esgueirando-te pela vez última a me dares o teu pezinho
Depois tu me pulaste no ombro e disseste:
"Tudo bem?  tudo  bem? Oi, tudo bom?"
Beijei teu peito.
Em crise de euforia gritaste,
articulaste palavras indecifráveis.
Em entusiasmo, tagarela, eufórico disseste:
"Dá tchau, dá tchau, dá tchau"
e (a agarrar o meu dedo com a perninha esquerda) terminaste: "tchaauu..."
Esse enigmático prolongado "tchau"...?
E me beijaste a boca, costume todo teu,
para a recíproca de um beijo.
Dei-te outro  beijo no peito,
beijaste-me a testa emocionado.
E tagarela contou-me, do teu pensar, o indecifrável!

E minutos depois o teu fatidico "tchau" se concretizou
O vento inoportuno abriu a imensidão pela porta...
Tu me deixaste...
Estavas, de verdade, sob um vaticínio?
Fora um vaticínio!!
Por que me deste adeus?
Por que a mim não me cabe a ser onisciente?
Nem, tampouco, ser onipresente?
(Mas esqueci-me das leis de Murphy)
Pois não sei onde estás.

Ah, agora, não mais te espero, o sol se pôs.
Nem mais minha esperança tem lamento.
E como é triste ouvir os passarinhos
a voarem na imensidão– me dão inveja,
por ti, meu Ring Neck, que não voavas.
Fizeram-te em prisão predestinado.
E agora testaste tuas asas inocentes
num voo acidental, que não querias.
Esqueceste da antiga experiência
e cometeste, de novo, o antigo erro.
Quando, de volta em  casa, traumatizado não voaste sequer a distância de um pulo,  durante seis meses.
Porque sofreste quando estiveras perdido

Estás  morto, meu querido, eu suponho.
Predadores tiraram-te a vida.
Mas, nisso, foi só um momento,  possa ter sido rápido
A tua angústia passou, tudo passa.

Vejo-te a todo instante, repetido:
dando o seu último passo da gaiola.
esgueirando-te  para minha mão.
E sobre o meu ombro dizendo:
"Ei,  tudo bem? Tudo bom?"
Ainda no neu ombro estendias o pescocinho a beijar-me a boca
(Não satisfeito com único beijo,
em sequência, após leve pausa,
repetias beijos.)

Quão alegre ficaste, meu querido,
E o resto...
Eu só sei que tu voaste...
Pra nunca mais...
Eu choro convulsivo, choro.
Eu choro...
E lágrimas derramo em torrentes.
Estou triste, tristeza tão dolente. Irreparável é a dor que minh' alma sente.
Estás bem, pois não estás, aqui, no mundo.
Ao etéreo teu espírito ressuscitou.
E, lá, no etéreo, então, nós viveremos.
Meu amado periquito, estás morto?
Tua ausência sem retorno me diz que descansaste.
Mas, se estás com alguém, que desgraça!
Não poderás repetir os mesmos gestos,
as aprendidas palavras, os trejeitos elegantes pra mim–tua audiência.
Tu sofrerás sem a tua ração própria,
tuas penas vão mudar, vão cair...
Terás um corpo deficiente, sem energia                                              E terás mais trinta anos de existência.
Sofrendo, penando...
Tua merenda, às 22 horas, no feitio de papinha.
Quando dizias: "Gostoso, nê!...Gostôoso!"
À tardinha a ansiedade para o conforto do sono no aposento de penumbra.
E vejo-te, nesta tarde, com o teu pressuroso querer para o sono.

Esquecerás o passado.
Sofrerás o presente.
Não tens meios de suicídio,
tua vida será um inferno a não ser
que um misericordioso predador cometa a tua sentença em morte prematura–
a tua salvação.
Que destino ingrato te programou
desde a incubação do teu genoma!!
Uma pequena vida a sofrer
e a provocar em mim tanta dor.
Por empatia existencial
Esquecerás teus monólogos em solidão:
" Um, dois, três!...Gool."
Qando expandias tantas alegrias.
Esquecerás de mim, imagino.
Nossa mente tem disso–esquece o amor, a mágoa, as manhãs ensolaradas. As noites tão bem dormidas em silêncio, em segurança.
Outras angústias te invadirão a alma e perderás  a tua obstinação, só tua.
A pirraca, as tuas  exigências
sem ninguém para atendê-las (sofrerás lavagem cerebral)
Serás um tipo de autista.

Mães choram pelos filhos na guerra,
Inconsoláveis pelos filhos entre desgraça
Eu choro por ti,  meu periquito.
Ouço-te falar, ouço-te em gritos de euforia. E pior, ouco-te em gritos  por companhia
quando solitário te sentias.
Ouvia-te com fome, ou com sono...
Não te ouço, o teu  comunicar: "Gostôoso,  né"? quando me vias à mesa...

Ah, o teu cheirinho de penas...
Ecoam  na minh' alma todos os gritos de tua angústia...
O desespero de não ter uma companhia ao lado,
O adejar frenético  das asas...
O tremor muscular do corpo inteiro 
pelas catecolaminas do desespero...
Procuraste algo  no teu voo,
encontraste o infermo.
Queria eu ter um sepulcro teu, aqui, em casa
e, ao teu lado, desejar-te descanso  eterno ( junto a São  Francisco de Assis).

Ah, uma boa noite não mais te espera, quando o sol se põe e a luz em casa se apaga.
A  tormenta passou, estás em  calmaria.
O como é triste ouvir os passarinhos,                                que ao  voarem na imensidão me dão inveja,  por ti.
E tentaste tuas asas inocentes
num  voo acidental, que não querias.
Esqueceste da antiga experiência,
e cometeste, de novo  o mesmo erro.                                           
Estás morto, meu querido, eu suponho.                          Predadores tiraram-te a vida
Tnhas muito apego a mim, e na solidão me chamavas:
" Oi, Lupi?" Eu respondia; "Oi, Lupi!",  e daí interagíamos.
Bom que os teus dias foram precoces.
Tua longevidade me doía..
Em paz tu estás.
Mas nunca o tempo me tirará a dor da tua ida.
Pois, se  tudo passa...
Será que me passa?

Tangará da Serra, 05/09/2023

  • Autor: Maximiliano Skol (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 9 de Agosto de 2023 17:26
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 2

Comentários1

  • Lia Graccho Dutra

    Boa noite,
    poeta Maximiliano:

    Entendo o que
    o amigo poeta
    está sentindo
    pelo que ocorreu
    com o seu Lupi.
    Tenho bichinhos
    de estimação
    também.
    Nós os amamos
    e eles nos amam.
    Mas acalme o
    coração.
    Ele está bem
    onde quer
    que esteja!
    Recebeu
    abrigo,
    cuidados
    e carinho
    quando
    estava
    contigo.
    Isso que
    é importante.

    Boa noite
    e muita paz!
    Carinhoso abraço,
    Lia

    • Maximiliano Skol

      Querida amiga, Lia, gratidão por, sensibilizada, partilhar comigo essa elegia e pela paciência de percorrer na leitura o longo texto.
      Uma boa noite.
      Um beijo.



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