Hipogeu Funesto

A que tem muitos nomes

Hipogeu Funesto
A Carpideira
1. Ossos alheios
Vi algo que secou toda a minha boca
Em minha boca a produção da saliva cessou por completo
A minha língua também estava seca
A língua de tão seca, apegou- se ao palato
Senti gosto amargo em minha boca
Meus dentes rangeram
E este rangido foi desagradável ao meu tato, porque foi como se algo quebrasse dentro 
de mim
E o rangido foi intragável à minha audição porque parecia que o barulho cerrava minhas 
entranhas
Porque vi algo funesto
E quando eu olhava para minha própria carne, eu lembrava que lembro de minha carne, 
sob este manto de pele existem ossos e muitos ossos
E assim eu estou sob meus próprios ossos, uma vez que por debaixo de minha pele estão 
eu estou sob meus próprios ossos.
E quando eu me levanto e vivo, eu usufruo de meus próprios ossos, que juntos com 
minha carne e vontade, se esforçam, assim eu estou sobre os meus próprios ossos.
Acaso, optaria eu pela condenação de meus próprios ossos?
E com que autoridade, estes que empunhavam a espada, condenarão os ossos alheios?

2. Mortalha hedionda
Antigamente, se envolvia o corpo dos que já não tem fôlego de vida em lençóis do mais 
puro e fino linho
Como que a dar conforto para os que estão mortos
Estes que estão mortos sofrem com a aflição da morte, o pano de linho tenta colocar os 
mortos em conforto semelhante ao da cama
E completo este ritual, perfuma- se o corpo do finado, em perfumes
Mas eis que os mortos deste ossário não repousaram no mais fino linho, o olho de seus 
exatores e olho algum depois de resgatados das profundezas se compadeceu para os 
banhar em perfume
E olho algum se compadeceu para os colocar em lençol
Estes ossos não repousaram junto ao carvalhal centenário ao lado dos ossos de seus 
ancestrais, nem repousaram ao lado dos ossos do homem ou mulher de sua mocidade 
em fina lápide com poesia fúnebre sofisticada
Eis que estes ossos não repousaram no local que seus donos outrora animados e com 
alma, prosperam com alegria e grandeza
Eis que estes ossos não se reuniram com os ossos de seus entes queridos na morte
Eis que estes ossos foram ocultados com muito dolo e maldade
Não foi a mão de seus entes queridos que os sepultou com luto e homenagem fúnebre, 
mas foi a mão dos próprios assassinos que tocou seus ossos
Não foi feito em cerimônia pública, seja à luz do dia, aonde tudo é transplante, não foi 
em cerimônia noturna aonde o raio lunar a tudo penetra e revela
Não foi em cerimônia pública em dia chuvoso, aonde a água à tudo penetra e escrutina

Não foi em cerimônia pública em noite sem iluminação, aonde o belíssimo manto 
noturno à tudo deixa em memória e revela
O exator levou os ossos daquele que ele mesmo assassinou
Eis que o homicídio com dolo foi em oculto
O sepultamento destes ossos foi em oculto
E foram enterrados sem os ritos fúnebres, para ali sua memória perecer
E foram envoltos em mortalha plástica, esta mortalha hedionda porque na morte, apenas 
se aceita o pano, a madeira ou a cinza
E estes banhados em muito luto, pranto, cinza e tudo é feito em público
3. Pequeno Vale de Ossos Secos
Ah, que coisa mais hedionda!
Eis que agora, investida com legítima ira
Eis que hoje, investida com legítima sede de justiça para este pequeno vale de ossos 
secos
Desejo molhar estes ossos
Ah, quem dera, que o Criador que viu estes ossos ainda se formando no Interior de suas 
mães
Fizesse deste pequeno vale de ossos, como fez com o Vale de Ossos Secos que o profeta 
Ezequiel, no exílio contemplou
Ah, Ezequiel este profeta contemplou o que os líderes faziam em oculto, a ação destes 
homens era má e perversa

E o profeta cavou a parede
E eu também vi o que os líderes fizeram em oculto
Neste pequeno Vale de Ossos Secos, cavado em oculto eis que foi revelado
Neste pequeno Vale de Ossos Secos, os Sete Olhos do Eterno ali estavam
Se não houve quem velasse pelo ossário, o Eterno velou e ele mesmo fez os ritos 
fúnebres
O Eterno ao ver esta crueldade chorou, o coração do Eterno se apertou, o Eterno ficou 
chocado e depois passado o luto do próprio Eterno, Ele se irou contra os assassinos e os 
expôs
Ah, Eterno, porque o Senhor não faz como fez com o Vale de Ossos Secos, se ali neste 
outro Vale, o Senhor fez ressurgir dos ossos daqueles soldados, seres humanos com 
tendões e músculos
Porque não faz o mesmo com este pequeno Vale de Ossos Secos, pequenino em 
tamanho mas grandioso em coragem e essência porque estes ossos não receberam em 
seu sono o toque suave do Anjo da Morte, antes tiveram morte planejada e dolosa
Ah, Eterno porque o Senhor não faz estes ossos ganharem músculos, pele, tendão e dali 
ressurgir a mesma pessoa falecida, agora renascida de seus próprios ossos, eis que seria 
algo assombroso outra vez: da terra eles nasceriam, desta vez tecidos na terra fresquinha 
seus ossos formariam o ser humano com alma vivente uma segunda vez
E renascidos, suspirando por justiça e respirando desejo impaciente de fazer valer seu 
direito
Eles retornariam para os seus
E da tribuna, discursariam e revelariam como foi sua morte

Comoveriam seus admiradores, estes com muito pranto verteriam lágrimas
E os seus assassinos vendo os ossos agora outra vez animados e alma vivente iriam 
enlouquecer ou cairiam fulminados pelo próprio terror eivado de seu coração que iria 
parar
4. Dá glória aos Ossos
Aos descendentes e admiradores daqueles cujos ossos foram encontrados no Pequeno 
Vale de Ossos Secos
Deem glória aos seus ascendentes que faleceram para que você e eu, tivéssemos uma 
vida plena
Deem glória aos ascendentes que mesmo com os corpos combalidos e marcados à ferro, 
entregaram seus corpos para serem imolados e esfolados de boa vontade
Deem glória os admiradores ao sacrifício em sua integralidade, não apenas na morte 
porque mesmo que a eles tenham perecido e esse perecimento na morte os tenha tornado 
excelentes, deem glória e gratidão para a luta muito renhida, demorada que eles lutaram 
com as próprias mãos e os fatigou sobremaneira.
Não temam os ossos de seus ancestrais e admiradores
E não fiquem chocados, porque estes ossos, antes sepultados em oculto por dolo, estão 
expostos para todos e exposta agora está a perversidade que quem os ocultou, antes 
inumados com pressa de ocultar o assassínio e o dolo, também com muita pressa o 
interior da Terra os fez emergir e não mais os ocultou
E exumados, eles discursaram para quem deles cuidou a fim de declinar a identidade de 
quando vivos eram
5. Oração para os Ossos

Uma oração farei para este Pequeno Vale de Ossos Secos
Sete dias jejuarei por este Pequeno Vale de Ossos Secos
Sete dias acenderei uma vela para o Pequeno Vale de Ossos Secos
Sete dias, em memória deste Pequeno Vale de Ossos Secos, meditarei sobre o Profeta 
Ezequiel
Sete dias, santificarei com boas ações a cada um destes ossos
Sete manhãs, pedirei para o Eterno que a memória deste Ossário não seja olvidada
Sete tardes, pedirei para ao Eterno que não se zombe deste Ossário nunca mais e jamais 
dele se faça descaso.
Sete noites, pedirei ao Eterno que purifique a lembrança daqueles cujos ossos são 
descendentes daqueles que foram ocultados naquele funesto local, para que não mais se 
choquem e venham a definhar de terror.

6. Declinação
O leite fortalece os ossos
Para aqueles que com coragem denunciaram a existência deste hediondo higogeu
Para aqueles que com vontade, buscaram saber o que com efeito havia sucedido
Para aqueles cujo coração ardeu na busca por seus amores desaparecidos
Para aqueles cujo desejo foi de justiça para estes ossos
Para aqueles que não deixaram cair no vazio esta memória funesta
Para aqueles que com suas próprias mãos se fatigaram para expor os assassinos à luz
Que os ossos de suas mãos

Que os ossos de todo seu corpo
Nunca sejam molestados
Que estes ossos nunca experimentem o amargor de espírito
Que estes ossos sejam ditosos no crepúsculo de seus dias
Que as mãos sejam firmes e saudáveis
Que seus ossos fiquem livres do câncer devorador
Que seus ossos não vejam a corrupção e tenham repouso
7. Seios
Os ditadores deceparam, mutilaram, amputaram
Fizeram enfermar, de modo que houve inchaço
E entre as mutilações eles deceparam dois seios de mulher
Por que o fizeram?
Pois deveriam estar possessos com o próprio Satanás em sua carne
Ou era medo de que aqueles seios fossem amamentar a boca que afrontaria o poder 
usurpado e dele faria descer seus ocupantes?

8. Maldições
Malditos sejam vocês que depois de assassinar ocultaram estes ossos e ainda desejaram 
os cremar para que vestígio algum sobrasse deles a fim de cobrir a perversidade de 
vocês eternamente
Maldito sejam vocês que não queriam permitir que os ossos vocês mesmos 
ocultaram revelassem sua verdadeira identidade

Maldito sejam os seus ossos, por causa de vocês mesmos
Que no crepúsculo de seus dias nem um bordão de três metros seja suficiente para o 
amparo de vocês
E que se apegue aos ossos de vocês: a artrite, a artrose, a osteoporose e o osteosarcoma.
Que a osteoporose ataque os ossos que sustentam a arcada dentária com a qual 
proferiram mentiras e seus dentes enfraqueçam e caiam
Eterno, puna a quem com escárnio disse: acaso, sou eu algum cachorro para procurar 
por ossos?
Ah, Eterno com sua legítima e justa ira derrame condenação sobre os ossos deles, não 
para a morte mas para que eles vejam cada uma de suas injustiças diante de si mesmos e 
as confessem

9. Quem velou pelo Ossário
Se não houve olho algum para sentir piedade destes ossos e os velar
O Sol velou estes ossos
A Água que escorre dos Céus, velou estes ossos
O Sol não apenas os velou como também aqueceu- os
A Água não apenas os velou mas lhes deu de beber e limpou
Se não houve vela acesa para aqueles ossos, o Sol os velou, mais do que a chama da 
vela, O Sol foi a chama que os velou
Se não houve madeira para o caixão eles viveram entre as árvores e terra, muito mais 
excelente é isso do que ter caixão, porque é da terra que se origina a madeira para a urna 
mortuária

Se não houve quem soubesse que ali estavam ocultos, o Eterno o sabia

 

  • Autor: A que tem muitos nomes (Offline Offline)
  • Publicado: 10 de julho de 2023 17:02
  • Comentário do autor sobre o poema: Dedico este poema, para todos os que foram assassinados na Vala de Perus, e ali seus ossos ficaram encobertos. Os falecidos deram suas vidas para que hoje, nós pudéssemos ter uma vida mais plena e com liberdade.
  • Categoria: Sociopolítico
  • Visualizações: 4


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