Antonio Luiz

O nauta de penico que sonhava

Eu naveguei pelos confins desse mundo, comendo os farelos dos pães que um sujeitinho mal-acabado e chifrudo houvera sovado. A minha nau não passava de um penico velho, enferrujado, furado e sem alça, com uma vela, ínfima, e de pano roto. Sem leme, estive por anos à deriva, ao léu dos dissabores: de todos eles. A água era tão pardacenta e lamosa que causava asco até às ondas, cujas cristas mais lembravam um espesso vômito que espuma. Os peixes – e eu assim os denominava por mera nostalgia – causavam um espetáculo estrondoso de putrefação e escamas retorcidas. Sentia-me ali como o que se haveria de sentir ali, se houvesse uma consciência de merda, mas com uma bagagem pesada demais para boiar – como boiam tipicamente os dejetos em penicos. No ápice dessa jornada nefasta, eu estava convencido de que os albatrozes haviam lançado sorte sobre a minha surrada e impregnada cueca. Era certo que a metade do sentido da vida houvera sido perdida, naquele amarfanhado estágio. Então, agarrei-me de unhas compridas e de resto de dentes ao pouco que ainda me sobrava: os meus sonhos. Naquele pesadelo de vida desperta, qualquer sonho mau era bom demais. Sonhando, eu nunca perdi a outra metade do sentido, que era a melhor delas, nem mesmo para o mais tinhoso dos padeiros.

  • Autor: Antonio Luiz (Offline Offline)
  • Publicado: 27 de Junho de 2023 07:38
  • Comentário do autor sobre o poema: Querida poeta Lia G. Dutra, esse texto surgiu depois da leitura do teu poema social "Borracha Mágica". Eu vi aquele menino crescido, "navegando" em suas dificuldades, mas nunca deixando de sonhar!
  • Categoria: Reflexão
  • Visualizações: 8

Comentários3

  • Lia Graccho Dutra

    Boa tarde,
    querido poeta,
    Antonio Luiz:

    O personagem
    do seu escrito
    sofreu demais,
    minha nossa!
    Mas à sua
    capacidade
    de sonhar
    o manteve
    vivo.
    Oh,glória!
    Bem realista
    e forte
    o seu
    texto.
    Ao
    lê-lo
    imaginei
    todo
    esse
    terrível
    cenário
    que
    você
    descreveu
    com
    muita
    habilidade.
    Parabéns!
    Muito obrigada
    por ter
    mencionado
    a minha poesia
    “ Borracha Mágica”
    como sua
    inspiração.
    Sigamos,
    vivendo
    e escrevendo.
    Que haja luz,
    sonhos renovados,
    esperança,
    amor,
    superação,
    poesia

  • Lia Graccho Dutra

    (….)

    Vitórias e felicidade
    em nossas vidas!

    Carinhoso abraço,
    Lia

  • Antonio Luiz

    Boa noite, querida poeta Lia.

    Grato pela visita tão carinhosa, pela leitura tão atenta, e pelos comentários, sempre tão gentis!

    Abraços!



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