Hébron

Ensaio distópico de um quase futuro

 
Quando olho para o futuro, é como se eu buscasse ver além do horizonte.
 
Quando olho para o passado, observo o percurso percorrido e a bagagem de colheita que se constitui meu fardo.
 
E vejo hoje esse presente com indicativos de consequências ignoradas ou desprezadas em razão da ilusão mesquinha de poder que marca os passos dos seres humanos.
 
Houve muitas virtudes colhidas como flores perfumadas, mas também colhemos frutos amargos e venenosos e tantas vezes morremos.
 
E morreremos tantas vezes mais nesse caminhar desatinado em todos os registros da nossa história terrena.
 
E agora o grande desafio é prosseguir!
 
...
 
Tanto tempo havia se passado, um tanto insuficiente, no entanto...
 
A viagem seguia árdua pela estrada já em ruínas, mas eu ansiava explorar os infindáveis campos herbáceos com suas árvores esparsas dividindo o descampado espaço pouco demográfico da impressionante savana amazônica.
 
Os antigos leitos de verdadeiros mares de água doce agora eram uma imensidão de vale pouco raso, ora seco, ora verdejante, formando uma espécie de pântano ao baile da instabilidade das estações.
 
O clima equatorial e árido, de calor escaldante já era percebido antes mesmo de chegarmos.
 
A viagem longa nos proporcionou vários cenários diferentes e seguimos o desafio do caminho, após passarmos pela região inóspita dos desertos do planalto central, com muitas cidades abandonadas, em ruínas tomadas pela invasão de poeira, formando imensas dunas, mas ainda em parte visíveis, que denunciavam que ali houvera uma civilização.
 
Nesses lugares arruinados pelas revolucionárias intempéries do mundo, com seu clima agressivo, viviam ainda comunidades isoladas que sofriam a régia escassez e sobreexistiam com a força desconunal e quase sobrenatural que promoveram várias histórias e lendas desses habitantes extremos de um habitat extremo.
 
Da pavimentação da estrada pouco se restou, um caminho de chão de terra com mato, pedras e resto de asfalto.
 
O céu parcialmente azul, encoberto de nuvens brancas e acinzentadas e cores da atmosfera, que variavam de um vermelho claro, laranja e roxo, dependendo do dia e do horário, era o cenário impreciso, surpreendente e tristemente belo.
 
Dizem que durante as raras chuvas deve-se procurar abrigo, pois a variação de acidez pode ser inofensiva ou causar alguma irritação pelas partículas de fuligem que ainda caem como sereno de intensidade variável da tão brutalmente castigada estratosfera, contaminando as torrentes sob a crosta nesse período de adaptação e esperança de superação do mundo e das vidas ainda existentes na terra, na água e no ar.
 
Uma vez alcançado o destino traçado até o alto do distante descampado amazônico, entre uma floresta arruinada e morta, com troncos esqueléticos de grande porte tombados ou ainda eretos, mas ressequidos, detacava-se a realidade desse novo bioma surgido do desastre ecológico ambiental que devastou consideravelmente continentes inteiros, transformando o que restou da humanidade em espaçadas organizações sociais, em um novo contexto e com muitos desafios dessa era que surge.
 
A chamada savana amazônica é o resultado dos efeitos das cataclismáticas mudanças no clima que experimentou o nosso globo terrestre, castigando a fauna, a vegetação e é a resposta da natureza esse redesenho ecogeológico, biológico, atmosférico e social do mundo.
 
A mutação da Terra representou o fim de uma era e o recomeço em um novo estado de coisas, com a extinção do que se conhecia das civilizações como eram e alterações em todos os setores do mundo, com extinção de Estados, fronteiras e muitas culturas, e um dos efeitos do desastre energético e nuclear que quase destruiu o planeta foi também o surgimento de estranhas formas de vida selvagem em luta por adaptação e sobrevivência, com surpreendentes mutações, o que será também objeto de estudos nestas terras transformadas que já foram conhecidas um dia como o pulmão do mundo.
 
A reconstrução social, cultural e científica é o impulso de algumas pessoas com maior discernimento para não apenas tentar salvar o que nos restou, mas resgatar a nossa história, catalogar o que era e o que se transformou nossa casa terrestre.
 
E apesar da enorme dor, das perdas humanas e de tantas outras vidas, o que restou à humanidade sobrevivente é uma fé obstinada na força da natureza que resiste e ressurge para prosseguir com a reflexão necessária rumo à reconstrução dos seus reais valores...
 
Tanto tempo havia se passado, um tanto insuficiente, no entanto...
 
  • Autor: Hébron (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 19 de Junho de 2023 12:21
  • Comentário do autor sobre o poema: Uma tentantiva de caminhar por outros formatos literários.
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 18

Comentários2

  • Sergio Neves

    SERGIO NEVES - ...e a tua veia literata/poética vai se diversificando...,...e tu vais mostrando as tuas "garras"...,...vais mostrando a que veio nesse mundo da escrita...,...e com isso conseguiste com grande sensibilidade nos "brindar" com um ótimo e inusitado texto...,...inicias como que um poema estivesse a se formar (...se bem que, na verdade, um poema se formou...),...segues como a narrar uma "aventura" em forma de crônica, até chegar "aos finalmentes" -"a cereja do bolo"...,...uma espécie de "carta aberta" aonde mostras com muita qualidade contextual toda uma necessidade de reflexão e conscientização sobre o tema que abordas...,...tudo literariamente habilmente "costurado"...,...é, parece que iniciaste mais do que bem essa tua "tentativa de caminhar por outros formatos literários"... /...muitíssimo bom! /// Abçs.

    • Hébron

      É muito bom receber considerações como as suas, com sua crítica inclusive sobre a estrutura estética do texto. Fico muito grato por suas palavras.
      Forte abraço

    • Vilmar Donizetti Pereira

      Bela e insofismável e pertinente poesia reflexiva! Em um momento com várias intempéries e tragédias provocadas pelas mudanças climáticas, que o homem tem total influência por não saber gerir os recursos naturais da terra. Parabéns! Boa noite! Um abraço.

      • Hébron

        Vilmar, a ciência está mostrando as evidências desse caminho destrutivo que a humanidade está trilhando. Ainda há tempo de mudança de rumo para preservarmos a qualidade de vida nesse mundo. Muito obrigado pela consideração da leitura e valoroso comentário.
        Abraço



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