Maria do Socorro Domingos

CONFISSÕES DE UMA FONTE

"No princípio Deus criou os céus e a terra.
  Era a terra sem forma e vazia; trevas co­briam a face do 
  abismo, e o Espírito de Deus se movia sobre a face das 
  águas." Gênesis 1: 1,2

  CONFISSÕES DE UMA FONTE
                (Homenagem ao dia mundial da água)

Nasci fonte pequenina...
Brotei das entranhas da terra, em meio à floresta!
Trazia comigo um lindo sonho:
Tornar-me um riacho... Unir-me a outros riachos
Formar um caudaloso rio
E, por fim, seguir o curso natural da vida,
Prosseguindo minha lida
Até desaguar no mar.
O meu sonho era pleno de amor!
Viveria na mata virgem, em eterna festa
E do pouco que eu tivesse faria doação:
Ao cansado eu ofereceria a minha água
Pura e cristalina... Eu saciaria a sua sede!
E colocando os peixinhos em uma rede
Eu mataria a fome de outro irmão.
Eu seria o habitat de muitas criaturas...
Viveria rodeada de pássaros, de diversos animais,
Todos buscando em mim um alimento,
Um recanto para descansar.
Um lugar para viver em paz.
Ah, e as lindas borboletas,
Das mais variadas cores,
Bailando em revoada,
Compondo com a natureza
Um cenário encantador
Pousariam por sobre as flores
Cultivadas ao longo de minhas margens!
Mas sinto que não terminarei a minha trajetória!
Luto, sozinha... Uma batalha inglória.
O homem, com o seu desamor e sua indiferença,
Tenta me exterminar.
Sinto cansaço...
Já não sou fonte; também não sou riacho.
Sou apenas um tênue filete de água
Que insiste em abrir caminho,
Seguir seu rumo até o derradeiro instante.
Sou uma lágrima que restou de minha fonte cristalina!
A natureza me fez bela e forte...
O homem mudou a minha sina!
Tenho saudades de minha infância,
De quando, mesmo que apenas em sonhos,
Atravessei fronteiras e buscando o meu destino,
Segui incansável... Fui intrépida... Guerreira!
Agora passo por uma terra estranha, árida, de solo rachado,
Árvores mortas, animais tristes, humanos desfigurados...
Minhas fantasias com certeza ficaram para trás.
Verei a floresta verde? Acho que jamais...
Um homem, vítima de sua ganância,
Ávido por riqueza, rico em ignorância,
Um destruidor... Aterrou o meu leito,
Nem pensou direito...
E... Acabou de me matar!

                   ***

(Maria do Socorro Domingos)
Recanto das Letras 
Código do texto: T3569320

Comentários4

  • Shmuel

    Um lindo manifesto poético!
    Bom dia!

  • Lia Graccho Dutra

    Poeta Maria do Socorro:

    Poesia maravilhosa, parabéns!
    Gratidão
    e muito
    respeito
    à ÁGUA,
    elemental sagrado,
    que nos serve
    por tempos sem fim!

    Um abraço, querida!

  • LEIDE FREITAS

    Belíssimo poema. História real de uma fonte exterminada pelo homem.

    Boa noite!

  • Sergio Neves

    SERGIO NEVES - ...minha amiga, que coisa mais bonita escreveste aqui...,...uma "descrição" ao mesmo tempo singela e forte...,...retrataste esse "líquido percurso" de "nossas" águas ante às mazelas humanas com uma poética verdadeira e bem sentida,...e bonita! // ...pela intensidade, dá até pra dizer do teu poema: -"...foi um rio que passou na minha vida e meu coração se deixou levar..." /// Meu carinho.



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