CACHIMBO, WHISKY E PIANO

joaquim cesario de mello

 

Meu pai era baixinho, careca 
e fumava cachimbo

Meu pai virou pai quando nasci
tinha 50 anos
usava paletó de linho branco
era míope, sorridente, barrigudo
e tinha jeito mais parecido com avô

Meu pai fazia versos
sentado em sua escrivaninha
encurvado sobre a máquina de escrever
e os tec tec tec tec tec que emitia
ainda ressoam distantes no tempo 
como recitais nostálgicos de piano

Meu pai era professor, advogado e poeta
escrevia em jornais e tinha livros
frequentava saraus e consulados
bebia whisky com gelo
e queria que eu fosse embaixador

Meu pai me durou apenas 10 anos
alguns meses,
um tanto de semanas
um amontoado de poucos dias
e toda uma eternidade retirada 
antes d’eu terminar a infância

Em sua escrivaninha tem uma ausência
e já não sinto o cheiro do cachimbo
mas toda vez que digito versos no computador
estou como se estivesse a dedilhar
notas musicais em um piano

    “Nunca mais (agora
     que tudo é silêncio)
     diante do amor e do vinho
     teu rosto jovem revelará segredos
                                (meu pai, 1951)

 

  • Autor: joaquim cesario de mello (Offline Offline)
  • Publicado: 31 de janeiro de 2023 07:34
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 16


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