Roberto Ornelas

Pedaços de Mim

 

Pedaços de Mim

 

Idade

Cada dia que passa, estou envelhecendo mais rápido, e bota rápido nisto, mas agradeço a Deus por chegar até aqui, mesmo com todos os percalços. Não sou a pessoa que desejaria ser quando chegasse nesta fase, não tenho mais tempo de consertar, mas não é de todo tão ruim assim, melhor pensar assim.

Não me refiro ao meu corpo, diante do qual ás vezes me decepciono, frente a tantas rugas, os olhos meios distantes, vermelhos e tristes, as pelancas ao redor do pescoço se aglomeram, os cabeços já escassos e esbranquiçados dando lugar a uma careca ordinária, o bumbum não tão durinho assim, nem só o bumbum...

Mas nunca trocaria os meus poucos amigos, minha vida, minha família mesmo com as suas divergências, e haja divergências viu? Por cabelos menos grisalhos e/ou mais cabelos mesmo ou uma barriguinha menos saliente, sarada.

 

Mudança

Estou tornando-me mais amável, mais accessível, menos crítico e vaidoso comigo mesmo e/ou com os outros, mais tolerante, essa é a verdade. Tornei-me o meu melhor amigo até pela escassez deles, por esta solidão insistente e chata, mas me acostumei com ela também, quando perecermos iremos só.

Não me arrependo por ter saboreado aquele docinho a mais, aquela cervejinha gelada e até pelo cigarro fumado por anos. Por não ter arrumado a minha cama ao acordar, ou por ter comprado aquele eletrônico que não precisava, que não acerto nem futucar, na verdade nem uso com frequência, está esquecido na minha estante.

Na minha idade permite-me ser excêntrico, deixar algumas coisas fora de ordem, posso ser displicente, mais terei um tempo para cuidar do meu jardim, das minhas plantas e das minhas borboletas, que as vezes vem me visitar, são lindas.

 

Livre

Posso decidi ler de tudo, gosto de ler desde a Playboy a As Historias do Super-Man, rever meus filmes infantis, O Túnel do Tempo, Perdidos no Espaço, Terra de Gigantes... Filmes da minha infância, posso ficar ao computador até tarde vendo mulher pelada ( Nem tanto assim) ou seja lá o que for... Acordar bem cedo só por acordar, não passo das seis...

Serei meu próprio parceiro de dança, ao ritmo dos sucessos inesquecíveis dos anos 70 dançarei comigo e se, ao mesmo tempo, eu queira chorar por um amor perdido, uma paixão do passado, chorarei, qual o problema? Posso fazê-lo sem constrangimento, estarei só, sem receio das críticas, e o que me importam elas, o sofrimento é meu, a dor também é minha, o passado é meu.

Posso caminhar pela praia usando uma sunga colorida ou bem amarela, colada ao meu corpo, nem tão bonito assim e mergulharei no mar se assim desejar, apesar dos olhares críticos ou não de algumas pessoas mais jovens. Elas também vão envelhecer,

quem sabe? Conforme envelheço é mais fácil aceitar as coisas, sem muitas cobranças, sem réplicas. Preocupamo-nos menos com o que os outros pensam, o tempo é curto, a vida segue.

 

Amigos

Às vezes começo a esquecer de algumas coisas, dos detalhes, onde aconteceu...enfim, recordo-me de coisas que ás vezes duvido que aconteceram e as dúvidas irão continuar eternamente, como quem tira-las? Parece que todos se foram, e não se despediram.

Testemunhei a partida precoce de muitos amigos e eles não puderam vivenciar plenamente a liberdade, implícita no envelhecer, do viver e do chegar até aqui. Sempre procurarei lembrar deles e dos nossos bons momentos.

Mas se os ruins teimarem em voltar a minha mente, o lembrarei como lição, como aprendizado, pois me deu sabedorias e experiências. Alguns amigos se foram muito cedo, se é que deveria ter um tempo, não deveria gosto daqui pra caralho. Alguns morreram antes de verem seus cabelos ficarem brancos, se perdendo fio a fio a cada escovada.

 

As Desilusões

Com o passar dos anos, acumulei desilusões e decepções, que não foram poucas, desde as amorosas, como dói esta porra, até as profissionais, mais não vou enumera-las, dava para fazer uma novela mexicana.

Me digam? Como não sentir a perda de uma pessoa amada, uma mãe, um pai, um amigo querido ou manter-se indiferente diante do choro ingênuo de uma criança quando seu bichinho de estimação se perde ou a sua boneca quebra o pescoço ou o braço foi arrancado.

 

Coração

Ter um coração ferido, o meu é cheio de cicatrizes e por vezes me deixei ferir, mas é o que me dá força, discernimento, compaixão, e sobre tudo esperança, sem ela não temos vida, uma ilusão já será um balsamo para minha alma.

A sabedoria de ver as coisas mais simples e dar o merecido valor, virando criança. Um coração que nunca foi ferido, é duro, estéril... Nunca sentirá a alegria depois do choro, não será solidário.

Sou, portanto, abençoado por ter chegado até aqui e quero ir mais um pouco se Deus permitir, ver meus poucos cabelos grisalhos e ter as marcas de minha juventude para sempre gravadas nas rugas que se espalha pelo meu rosto já cansado e que jamais eu perca as minhas belas lembranças, pois ás vezes sobrevivo através delas, não sou egoísta, vocês também viverão.

 

Futuro

Temos o direito de estarmos errados, mas não julgadores, estamos ficando velho esquecido nos asilos, em casa, caducando conosco mesmo. Mesmo assim, estou gostando de ficar idoso, fazer o quê? Isto me libertou.

Gosto da pessoa na qual estou me tornando, às vezes incompreendido e indiferente por uns e elogiado e grato por outros, é a vida. Mas por favor deixe-me tentar.

Não vou viver para sempre, ninguém vai, mas enquanto ainda estiver por aqui, procurarei não desperdiçar o tempo restante rasgando lamento, olhando o que poderia ter sido, dos amores que poderia ter tido, nem me preocupando demasiadamente com o futuro, que me parece tão pequeno daqui onde estou agora.

Posso ainda comer de todas as coisas que quiser, se estiver com vontade. Aliás, só de vez em quando, posso usufruir das delícias da vida, posso amar, mesmo que seja um amor platônico.

Cheguei a terceira idade, minha criança adormece, ela esta bem distante agora, ela ainda pode sonhar, eu também, se iludir, acreditar e se enganar, contanto que ela jamais vá embora ou me abandone definitivamente, só quando eu fechar os olhos, forever.

 

Roberto Ornelas

 
  • Autor: Roberto Ornelas (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 21 de Outubro de 2022 07:37
  • Comentário do autor sobre o poema: Pedaços de mim, conta um pouco do que sou e/ou fui.
  • Categoria: Espiritual
  • Visualizações: 9


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