chino

Carta aos fixos

Os invejo

Nobres, desafortunados, seja qual for a classe;
silenciosos, exacerbados, seja qual for o modo;
cultos ou desacolturados;

Os invejo

Religiosos ou céticos, leitores ou ignorantes;
demonstram seu rancor e inquietação por meio da exteriorização de sentimentos ou pensamentos que ocultam até certo ponto;
ao exibir esse rancor, os define como "opinião";
não ligam se essa "opinião" fere, maltrata ou difrata determinado alguém;
configuram o seu opositor como insano, ou até mesmo como onagro;

Os invejo

Alegres, seguem amiudadamente sua crença;
essa crença os blinda do desconforto;
os blinda de fatos;
os blinda da verdade:
os cega;

Os invejo

Vivem em uma eterna zona de conforto;
distantes de toda e qualquer afirmação fora da sua bolha;
fora do muro dos seus falsos saberes, habita a verdade;
verdade essa que é vista como abominável, contra costumes;
costumes esses que, em sua maioria, não possuem sequer um elóquio embasado;
muito pelo contrário, o elóquio deles é fútil, vazio;
por vezes chegam até mesmo a exaltar miasmas pútridos da dita "sociedade correta";

Os invejo

Porque mesmo tentando, não consigo adequar-me a tamanho deserto cognitivo;
impossível para alguém que pense de facto;
estude de facto;
leia de facto;
aprenda, de facto;
assemelhar-se aos mesmos;

Os invejo

Pois não há espaço para mim em tamanha massa;
meu gregarismo me afunda;
ver argumentos vazios;
mentes vazias;
afunda-me, afoga-me;

Os invejo

Mas, ao mesmo tempo não;
observo a ignorância, a falta de objetivo e meta;
acabo rindo como criança;
na mais plena solitude, faço escárnio de quem acha que sabe;
seu crer inócuo me faz rir;
nada mais faço além disso;

Os invejo

Pois, faltam-me até argumentos para invalidá-los;
me falta até mesmo vontade tê-los;
perante as crenças que ditam, humilham, rejeitam e escracham;
fazem pelo dito "bem comum";
acabo rindo, novamente;
percebes o motivo?

Os invejo

Em detrimento de possuírem mentes tão ignorantes;
tão ásperas;
já que acreditam que o ato indefeso, de alguém em paz, consegue tirar a sua;
seus desconfortos por algo inócuo fazem de você o ignóbil;
mas, não percebes;
por isso 

Os invejo

Alienados;

Os invejo

Para sempre invejarei;
pois enquanto houver em mim a constante dúvida;
constante questionamento;
eterno buscar;

Os invejo

Haja vista que nunca, sendo aberto, conseguirei ser fechado como vós; 
atribui a mim uma tristeza constante;

Os invejo

Pois não existe no mundo;
alguém que pense muito e não tenha um inferno dentro da própria mente;

Os invejo

Porque juntamente do saber, vem a crítica;
juntamente à crítica, o entender;
juntamente ao entender, a desilusão;
juntamente à desilusão, a tristeza;
juntamente à tristeza, o niilismo.

Os invejo

Pois no martírio do meu pensar, está o pensamento;
na epifania do saber, o desconforto;

Os invejo

Porque ainda que o saber possa vir a propor felicidade;
também pode propor o contraposto;

Para sempre, os invejo.

 

  • Autor: chino (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de Setembro de 2022 22:32
  • Comentário do autor sobre o poema: apenas uma epifania.
  • Categoria: Carta
  • Visualizações: 34
  • Usuário favorito deste poema: chino.


Para poder comentar e avaliar este poema, deve estar registrado. Registrar aqui ou se você já está registrado, login aqui.