Por prevenção ou
por hipocondria,
proponho-me a escrever agora
um pouco do que direi e
pensarei ou talvez
diria e pensaria
em minha incerta velhice:
Sonhei, sonhei muito
e quando despertei de meus devaneios
deparei com a realidade
que não é nem boa, nem má,
mas para quem já sonhou é
muito pouco.
Não gosto de espelhos,
nunca os adorei,
mas agora os detesto!
A voz da experiência me diz
que se eu pudesse voltar atrás
cometeria os mesmos erros,
pois seria jovem novamente
e redescobriria a esperança
do tipo “tudo vai dar certo”.
Ver meus dentes boiando
neste copo d’água não é nada animador!
Vejo que andei um caminho enorme
e daqui de onde estou procuro
olhar para trás,
mas é difícil
a memória anda meio fraca.
De todos esses remédios
em meu criado-mudo
o que menos gosto é este verde
com este detestável gosto de ervas!
Deram de me chamar de vovô,
e às vezes até que eu gosto!
Nunca estive tão só,
o meu mundo, o meu tempo,
meus ídolos, são passado;
minhas músicas prediletas
já não andam nas paradas,
e o pior;
muitos de meus amigos passaram
junto com nosso “tempo”.
A morte esteve atrás de mim
a vida toda,
mas eu nem a percebia ali,
pronta, esperando meu mínimo descuido,
só hoje a fito, olho no olho,
sinto sua arrepiante presença
porque assisto TV, tomando chá com bolachas
uma parte do dia
e a outra, a durmo toda,
além dos médicos e seus tapinhas nas costas:
Coração de menino vovô!
Minha esposa
não é a mesma pele,
não é o mesmo rosto,
mas é a mesma mulher
e nosso amor é quase
o mesmo amor, ratificado.
Estou velho e cansado
não quero sorrisinhos
ou apertos de mão,
nunca os quis,
sempre amei quem merecia meu amor.
Não sei onde vai parar
essa juventude de hoje,
ou melhor, sei sim:
Vai parar aqui como eu, dizendo:
“Não sei onde vai parar
essa juventude de hoje!”
Faz algum tempo descobri
a essencial diferença entre
o homem e Deus,
o que torna o homem semelhança
e não igualdade de Deus é que
Deus não tem pátria, religião, partido,
cor ou qualquer limite ao amor.
O duro é constatar
que o mundo em todo esse tempo
só “trocou de roupa!”
Casa de repouso?
Nem pronuncie esta palavra
perto de mim,
provoca-me náuseas!
Tenho um neto maravilhoso que...
e uma neta...
mas em compensação tem um que...
meu filho é uma beleza, tanto que...
.......................................................
Enfim, não tenho do que reclamar
a não ser desta dor na coluna,
começa no pescoço e vai descendo...
Ah! E tem o reumatismo...
- Autor: eduardo cabette ( Offline)
- Publicado: 9 de agosto de 2022 12:57
- Categoria: Não classificado
- Visualizações: 14
Comentários3
Você já tem a receita em mãos para livrar _ se de uma velhice doente, carente de familiares,quase sempre egoístas: agir com correção,respeitar teu corpo,nutrir também adequadamente a cabeça. Esses cuidados te livraria de Alzheimer e/ ou de outras doenças que tornam a velhice insuportável. Seremos os velhos saudáveis ou doentios que estaremos " construindo" hoje com nosso comportamento e cuidados,além de vida ativa e com generosidade. Seu poema é bem ilustrativo e construtivo. Chapéu!
Sua escrita é maravilhosa e tocante!
Um texto excelente; "Adiantamento" de uma sensibilidade ímpar e real, posto que é desta forma que a vida se desenvolve.
Os dentes boiando no copo d'água nos remete a reflexão! É o tempo se aproximando, meio cômico e implacável. A lei da gravidade é para todos.
Abraços ao poeta, Eduardo Cabette
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