Franz K.

O contrato


Aviso de ausência de Franz K.
Imagine que eu estou aqui.
Faz diferença pra mim se vocĂȘ leu o que eu escrevi.
Mostre que se interessou.

Carimbado com o apego. Protocolado com o hábito. Irreversível, mesmo que não fosse irreparável, não li as letras miúdas da minha arapuca. E metido nessa sinuca de bico meu corpo adoece constantemente, a mente humilhada como de um pedinte, meu bolso padece a beira da falência. Me sinto esgotado, mas sistematicamente me afundo cada vez mais no prazer cômodo do meu calabouço e que agora conto a estória com desgosto.
Um dia, andando de carro, olhei no retrovisor o rosto cansado e derrotado de um jovem mal vestido, de barba mal feita, sentado na calçada e imaginava o que passava no profundo devaneio do seu pensamento, transmutava minha persona instantaneamente. A quem devo a minha rebeldia? Pois a balança do meu comportamento oscilava sempre entre o conformismo e o ódio. Sei que aos poucos me deixo ser manipulado e a passividade expõe meu asco pessoal inerente. Parado antes da faixa de pedestres o sinal verde era gritante, os motoristas buzinavam sem parar, impacientes, e enquanto eu tentava me decidir se iria pra esquerda ou pra direita tive o vislumbre do meu inimigo no outdoor, vendendo uma utopia irrecusável que de imediato perpassou me um interesse atraente, agora nauseo. Sorrateiramente ele procurava brechas, sempre a um passo a frente, minuciosamente plantava a armadilha, calculava cada minúsculo detalhe e me conhecia muito bem inexplicavelmente. Meu ponto fraco sempre foi o presente. O descaso com o futuro e o arrependimento do passado são só frutos do meu fatídico destino. Meu algoz se apresentava muito bem vestido, a rigor. Simulava um sorriso, cínico, era muito desenvolto no diálogo. Botava as cartas na mesa, e acolhedor, abrandava meus medos como de costume da negociata. O produto era um imóvel, uma prisão confortável, de janela gradeada, com vista pro mar e só iria me custar o desespero da responsabilidade com taxas razoáveis de frustração consciente. Conformado com a oferta, assinava sob a linha o meu nome de nascença, compulsivamente atrelado a minha essência, agora vendida, burocraticamente dirigida em um processo exaustivo coordenado por administradores fadigados do âmbito municipal, estadual e federal. Meus credores cochichavam entre si, caçoando em números o meu ego. O vendedor, meu adversário aqui declarado sorria baixinho, vitorioso. Enquanto isso, na neblina dos encargos tributários, eu me debruçava sob os papéis carimbados do meu pesaroso novo contrato vigente.

  • Autor: Franz K. (Offline Offline)
  • Publicado: 21 de Julho de 2022 23:31
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 4


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