Não te prometo meu futuro, te dou o meu presente

verenavini

Não posso te prometer meu futuro, pois ele está sendo roubado de mim. Minha filha, quem sabe, poderá lutar por algo melhor, no meio do caos tecnológico no qual já minha geração se encontra obsoleta. 

 

Em 100 anos, vários paradigmas serão mudados e acho que o conceito de felicidade irá revolucionar as histórias de “felizes para sempre”. 

 

Aliás, o conceito de “sempre” deverá ser algo diferente em 100 anos. Era diferente há 100 anos atrás. Essência a mesma, porém, como cada época e sociedade ressignificam as palavras conforme avançam no tempo, sutilmente veremos uma mudança significativa nesses paradigmas. 

 

Como ter o sempre, quando ali na esquina há a destruição do planeta inteiro? Como ser feliz se para todos os lados existe o vírus, a fome, a doença, o estupro, o terrorismo, as farsas e corrupções? 

Há bondade no mundo, de fato. Essas pequenas luzes fazem ver que existe uma saída da caverna. Mas elas sozinhas não darão conta dessa imensa bola de ganância que se instaurou no nosso mundo. Já reparou que culpamos o governo, mas no fundo, quem toma as decisões globais é a grande iniciativa privada? Os grandes corpos privados que são geridos por uma casta seleta? No fundo, a minha escolha de candidato A ou B, não importa muito, pois é um sistema tão bem arquitetado e aperfeiçoado ao longo dos milênios que sequer damos conta que no balanço do poder, o povo tem sim poder, mas ele é apenas parcial. Existe o poder daqueles que controlam o que o povo bebe, o que o povo come, o que veste, como se locomove e abastece seus automóveis e suas casas… Esse pequeno número de indivíduos que controlam essas coisas, basicamente exercem poder sobre os outros 95% que seriam o povo, no seu imenso poder. Mas sem o básico, até mesmo o mais forte dos heróis perece. Sem água, sem comida e sem abrigo, não há intelectual que sobreviva, homem forte que resista, argumento que perdure. 



Como posso te prometer o meu amanhã, se há bombas atômicas esperando apenas uma ligação para serem detonadas, provocando uma reação em cadeia que destruiria toda a vida na face desta esfera azul?

 

E se não forem por elas, saber que em menos de um milênio não haverá recursos o suficiente o que forçará a maioria das pessoas a morrerem ou matarem, literalmente, como já ocorre em países vizinhos. 

 

Não posso, me desculpe. Seria injusto prometer que te darei minha vida, quando nem essa parece me pertencer. Ao nascer, o Estado emite um título sobre a minha existência e ao criar um vínculo com ele, com os bancos, com as instituições, privo-me um pouquinho mais de minha individualidade e de minha real liberdade, concedida a mim na minha concepção divina, quando o criador me deu a luz, em troca de certas facilidades para me acomodar melhor na metrópole, grande colmeia. 

 

O que posso fazer, entretanto, é te prometer o meu agora. Esse está aqui, nesse exato momento, neste exato perigo e oportunidade. Amanhã estaremos aqui, provavelmente, e isso é apenas uma hipótese. Mas caso não tenhamos o amanhã, caso Deus nos leve ou o Estado decida nos dividir, nos vender ou nos escravizar. Caso nossos credores consigam esse poder com medidas administrativas, meu melhor momento e mais precioso está com você: meu presente, o meu agora. Meu presente é seu e este é o meu último ser, minha última impressão. Você está ali, do meu lado e é o que posso te oferecer. Se você já foi um dia, também carrego essa impressão na memória, mas o passado não retorna. Já o meu presente é mágico, pois é em cada sopro que morro e revivo, em cada exalar, se esvai um pouco do meu ser, mas ao inalar, trago de volta um pouco de vida que corre em tudo o que há no existir. 



  • Autor: verenavini (Offline Offline)
  • Publicado: 19 de janeiro de 2022 09:44
  • Comentário do autor sobre o poema: Dizer "aceito" e prometer a vida perante a todos. Como prometer algo que não é seu?
  • Categoria: Não classificado
  • Visualizações: 13
Comentários +

Comentários1

  • Victor Severo

    Belíssima dissertação.Prosa muito agradável.



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