Eu vi o Diabo

Naquela noite, 

lembro-me de ter visto um anjo.

Foi numa noite qualquer, 

quando eu era apenas um menino.

Na época, 

tudo era belo e brilhante,

mesmo que não fosse.

Ele entrou no meu quarto pelo teto, 

sorrindo e exibindo suas asas maravilhosas.

Lembro-me de sorrir de volta.

Logo pensei nele como parte de mim, 

afinal,

quem não gostaria de ter uma parte divina?

Lembro-me também de perceber que era outro, 

e que provavelmente precisaria de coisas,

assim como eu.

Deveria eu oferecer-lhe um café?

Ou uma água?

Lembro-me de pensar em pedidos,

em coisas que eu queria.

Mas hoje, pensando melhor,

não acho que seria oportuno pedir-lhe algo.

Até mesmo porque, 

lembro-me de estar completamente mudo.

Não calado. Não!

Mudo.

Uma presença divina,

que estava ali para me visitar,

e me observar,

me proteger...

Era como se eu pertencesse à Ele,

como um filho pertence ao pai.

Ah!

Isso sem dúvidas me tirou as palavras.

Mas é estranho pensar em memórias antigas e ofuscadas 

quando já se tem um presente desgastado e melancólico.

Hoje, quando penso bem sobre o acontecimento,

posso até, 

talvez, 

vê-lo entrando pelo meu quarto 

por uma sombra 

no meu teto.

Posso até talvez,

ver seu sorriso sarcástico em meio a luz ofuscante.

E até talvez, 

consigo ver seus olhos amargos e irônicos,

me observando na cama.

Lembro-me de achar que era um anjo.

Mas hoje, eu sei que vi o diabo.