Marçal de Oliveira Huoya

O Primeiro Homem

Cláudia se encontrava extasiada diante daquela serpente de olhar ciclópico rigorosamente ereta e ameaçadora. Súbito veio-lhe a sensação de um pássaro encurralado, paralisado pelo olhar magnético de uma víbora que se aproximava lentamente para o bote. Cláudia não conseguia afastar seu olhar enfeitiçado daquela visão ao mesmo tempo assustadora e cativante, aquele braço estendido lhe oferecendo uma rubra maçã brilhante e reluzente pedindo para ser mordida. Por um instante não conseguiu evitar a ideia de como o fruto do pecado era fascinante. Seus grandes lábios vermelhos se derramavam prevendo de forma ávida o sabor daquela iguaria suculenta e certamente já a teria provado se a lembrança de estar ultrapassando alguma coisa muito proibida, de estar cometendo alguma falta da qual seria severamente repreendida e castigada, não tivesse lhe assaltado, causando-lhe uma hesitação e um medo que sabia, mas se negava a aceitar, serem momentâneos. Pensamentos absurdos confundiam sua mente com ideias que depois lhe pareceriam risíveis e ridículas, afinal Eva não fora expulsa do paraíso assim? Branca de Neve não fora envenenada por um convite semelhante? Devia recusar, voltar atrás? Mas agora era tarde e na verdade, a quem ela estava querendo enganar. Carlos não precisou de muito tempo para convencê-la. A curiosidade nutrida pelos comentários das inúmeras colegas de trabalho a fizera chegar ali. Sim queria ser mais uma, queria também ser escolhida.

Não sabe bem se pelo choque da visão singular ou seu recato desajeitado diante da sensação de estar sendo observada pelo seu algoz (assim o imaginava), mas toda esta confusão de ideias absolutamente irrefreável tentando compreender a sucessão de acontecimentos, a entorpecia e retardava seus movimentos. Sem saber porque seus olhos marejaram, lágrimas começaram a rolar de forma arrastada pelos dois lados da face. Diante daquela visão, que Carlos considerou pervertidamente excitante demais para ser interrompida, com a mão direita sobre a os cabelos de Cláudia conduziu com meia pressão sua boca em direção àquela oferta lasciva. Cláudia, tentando expressar um pouco de culpa que sentia ou queria denotar que sentia, murmurava baixinho e repetidamente, querendo ser ouvida, quase num gemido de prazer algo como um ele não merece isto, não eu não posso fazer isto com ele, sussurros que avivaram Carlos muito mais ainda. Inicialmente respondendo àquela pressão da mão, criou uma resistência efêmera para em seguida abrir a boca e abocar o túmido regalo. Por noviça inabilidade, para não parecer tola e com o intuito de agradar seu capitão, teve a sensação de que deveria conter todo aquele volume no primeiro gole, para recuar logo em seguida em engulhos e ânsias de vômitos como um fumante na sua primeira tragada despertando em Carlos um riso contido e satisfeito.  De soslaio Cláudia percebeu que o sorriso de Carlos se transformava gradativamente num rictus maliciosamente perverso, como se a subjugasse ou melhor, fazendo-a se sentir assim, e para sua surpresa, em vez de se sentir ultrajada, percebeu que aquela sensação lhe agradava e lhe excitava imensamente. Nunca fora de sua natureza ser submissa, mas naquela ocasião queria, precisava obedecer, ter a sensação de ser dominada como uma fêmea, da forma mais natural e primitiva a que reduz essa palavra. Alípio nunca a tinha feito se sentir assim, nem mesmo nos primeiros anos de namoro onde a juventude e o desejo ardiam mais e mais em seus corpos. Na verdade, toda aquela rudeza e impessoalidade com que aquele quase estranho lhe tratava, lhe propiciavam uma intimidade de corpos, suores, pelos, peles e humores nunca antes sentida. Queria ser dominada sim, e Carlos exerceu o domínio que ela há muito procurava de forma lasciva e obscena. Cláudia podia não ter certeza do que se tratava o Amor, mas naquele momento era apresentada na forma mais pura à luxúria, o desejo alienado e atropelado, o fogo que não consumia mas elevava a vida.

 Seu Polifemo era incansável nas suas idas e vindas, porém Carlos podia ser sensualmente maligno, mas possuía a habilidade de conhecer um pouco da alma das mulheres (porque ninguém conhece tudo sobre elas), a dualidade feminina do anseio pelo amor ou por uma cupidez consentida pelo acaso de uma tempestade perfeita (seja lá o que é perfeito para cada mulher), de maneira que deitou-se e a conduziu sobre ele. Assim que sentou sobre aquela serpente altiva, inicialmente sentiu um certo desfalecimento fugaz como se todo seu sangue de repente numa única pulsação tivesse se recolhido para em seguida voltar em um roldão, em uma enxurrada incontrolável, ao mesmo tempo que um rubor abrasado tomava todo seu corpo. Gradativamente foi se assenhorando da sua posição dominadora privilegiada, como uma alpinista curiosa subindo e descendo da raiz ao cume divertidamente, arriscando e descobrindo ao ápice um “pas de bourré piqué sur le pointes” que resvalava pelo seu dedo mínimo brincando ao cume e um passinho abaixo dançando um ballet visceral e próprio. Lembrou-se de Marjorie, sua colega de faculdade, sua melhor amiga, sua melhor má companhia, casada assim como ela, mas totalmente alheia às suas censuras e ao seu assombro quando descrevia suas indecentes aventuras com um sorriso instigante e provocador. Viu a sua imagem naquele momento fitando-a bem próxima, sentada ali ao lado da cama, toda a sua figura lhe aplaudindo de forma zombeteira e radiante, então, aí está nossa menina envergonhada! Cláudia sentiu-se orgulhosa um pouco antes de sentir um arrepio, um tremor convulsivo que até então nunca tinha experimentado com aquela intensidade absurda, seguida pela percepção de discretas pancadinhas do ciclope que ora lhe habitava que prenunciavam golfadas de satisfação de seu cortesão.

Achou-se ridícula em imaginar que aquilo era o amor, provavelmente todas as mulheres que estiveram com Carlos antes dela deviam ter pensado tolamente da mesma forma, mas Carlos era uma alma livre. Era melhor não começar a inventar algo em que queria e iria acreditar. Sim, Carlos a tivera completamente, mas ela também o carregava dentro dela como a prova da sua posse. Ele a colocou sobre o seu peito e se calaram por um bom tempo. Apressou-se, chegou em casa a tempo de deixar tudo pronto para o jantar e para a novela. Alípio chegou com um apetite maior que o habitual, comeu e algum tempo depois dormiu porque ainda não era sábado.

  • Autor: Vênus (Pseudónimo (Offline Offline)
  • Publicado: 2 de Agosto de 2021 17:37
  • Categoria: Conto
  • Visualizações: 13


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