Ryokan, um mestre zen, vivia o tipo mais simples possível de vida em uma pequena cabana no sopé de uma montanha. Uma noite, um ladrão visitou a cabana e surpreendeu-se ao descobrir que não havia nada nela para ser roubado.
Ryokan voltou e o pegou. "Você provavelmente veio de longe para me visitar", disse ele ao gatuno, "e você não deve voltar com as mãos vazias. Por favor, tome minhas roupas como um presente."
O ladrão ficou completamente desnorteado. Ele pegou as roupas e escapuliu.
Ryokan sentou-se nu, observando a Lua. "Pobre rapaz", ele pensou, "eu gostaria de poder ter dado a ele essa bela Lua."
(Histórias Zen - compiladas por Paul Reps)
Por certo já habitamos corações
Que acabamos vendendo a preço muito baixo
Buscando espaços mais nobres.
Se aprendemos a sorrir,
Não esquecemos como chorar.
E se parece nos dar prazer o prantear,
Não sabem os infiéis
O quanto isso nos fere.
Cantamos a dor
Porque o que nos dói é o existir.
O que roubamos? -
Perguntamos mostrando os alforges vazios,
Nossos olhares famintos.
Nada!
Então, por que somos chamados
"Assaltantes"?
É que roubamos de nós mesmos
O riso, a alegria, a ilusão.
E todos temem que roubemos isso deles também.
Se um dia fomos temidos,
Do deserto das almas
Às montanhas onde nasce o rio santo,
Quem nos dirá? -
Pois se a todos assustamos
Com nossa febre de pureza
E nossa vasta cabeleira!
E a nós pareceu sorrir a sorte...
Eis o que nos disse o juiz supremo,
O Deus de Deus:
"Comam e bebam, gozem da fortuna agora,
Que o futuro é triste e negro!"
Somos bandidos!
O que poderíamos fazer?
O que nos davam, pegávamos;
O que nos era negado,
Se tinha valor,
Tentávamos furtar!
Ó mundo repleto de biltres!
Quantos iguais a nós
E que amarga impressão temos
De estarmos tão só!
O que somos são ladrões
Que não aprenderam a roubar!
Eis que derrotados o saudamos,
Nosso inimigo, nosso infortúnio,
Nossa grande e cruel desgraça!
Um dia estivemos próximos da vitória!
Hoje nos enfrentamos cobertos de um ódio
Que não conhecemos bem.
Negamo-nos o que um dia
Procuramos um no outro,
Dar um ao outro!
Quanta tristeza!
Mas tu ainda hás de beber o néctar
Oferecido pela divindade mais sagrada
Sobre nossos cadáveres apodrecendo!
O que não conseguimos ter
Nem a peso de ouro ou da espada,
Foi guardado todo para ti.
Nossa batalha, tu a ganharás,
Porque assim foi decidido antes
Por aquele que toma dos pobres.
Se nós debatemos em terríveis convulsões
Na poeira desta cidade
Na qual as prostitutas se dão
Antes que a noite chegue,
É que atravessa nossos corpos
Uma corrente de energia sem nome,
Sem medidas,
Sem lugar de origem conhecido.
*****
Na taverna todos bebiam
E festejavam numa noite comum.
Nosso bando, sempre alto,
Ruminava a execução de um roubo
Naquela noite, íamos tomar de assalto
O Universo!
Já nos víamos deitados sobre a pedraria
E nossos aposentos forrados de ouro!
Como os Césares,
À silenciosa ordem de nossos polegares
Cabeças rolariam,
Impérios se ergueriam ou cairiam!
O que seria,
Seria se quiséssemos que fosse!
Cafajestes no comando!
Contudo, o álcool subiu um pouco mais
À cabeça rica em espaços vazios,
E nos entregamos ao delírio.
Salafrários de meia pataca seríamos
Roubando o que é dado a todo infeliz!
O político sente-se o dono do Universo
Apropriando-se do dinheiro público,
Do pão dos miseráveis.
O libertino, ao tremer nas entranhas
Da meretriz que o recebe,
Julga possuir todo o Universo para si!
Então, era preciso furtar algo
Que jamais havia sido de alguém
E que seria para sempre nosso,
Só nosso.
A mais bela joia,
Os mais brilhantes olhos:
A lua cheia que nascia!
Quanto enlevo ao admirar
Aquelas formas perfeitas e intocadas,
Aquele sonho virgem que se despia;
Aquela respiração que nos dava vida!
Era uma sereia,
Um mar inteiro!
Oceano de riquezas,
Amor!
E se pudéssemos ter seu coração,
Seríamos também donos da paz!
Ninguém nos chamaria de bandidos
E sim bem-aventurados!
Um dia cobiçamos...
Foi nesse dia...
*****
Uma tempestade das mais ferozes
Castigava-nos sem piedade,
Mas o objeto de nossa ambição lá estava,
Impassível, como que a nos desafiar.
Raios caíam sobre nossas cabeças!
Como agarrar aquele astro
Que, sorrindo para a vida,
Negava-nos uma gota de felicidade?
Ah, como o queríamos!
Sentindo cada polegada
De um caminho enlameado
Que hoje muitos atravessam
Como porcos felizes num chiqueiro,
Galgamos a montanha mais alta,
Possuidora do mais tenebroso precipício.
A lua, indiferente, nos chamava brilhando!
Aos gritos, dávamos a ela
Ordens de rendição, sem saber
Que rendidos estávamos nós
Pelos seus encantos
E pela periculosidade da situação.
Nosso tesouro pendurado no céu,
Como afirmaríamos ao mundo
Que ele nos pertencia?
Como convencer a nós mesmos?
E a ela, a lua?
Escusado dizer que, embriagados
Pelo álcool, amor e cobiça,
Saltamos tentando agarrar
Aquilo que, mergulhando abismo abaixo,
Descobríamos tardiamente ser
A mais letal das utopias.
Roubar corações não era nosso mister...
Ouro talvez fosse...
Toda sorte de adjetivos miseráveis
Passou a constituir nossos pertences
Após a fantástica queda.
Alquebrados e famintos, porém orgulhosos,
Não ousávamos mendigar o pão a ninguém.
Bebíamos água da chuva
Quando havia chuva.
Castigava-nos o frio
E a dor das feridas.
Agora, roubar o quê?
Todo o cobiçado já tem seu cobiçador.
O álcool tem o bêbado
Que lhe faz a corte dia e noite.
O ouro tem o capitalista
Que o bajula todo baboso.
A luxúria tem o lascivo,
Animal que faz da sexualidade
Todo o seu mundo.
A vida tem os que amam e são correspondidos,
Pois só quem ama e é correspondido
Pode dizer que vive.
A doença tem a morte,
Eterna e infalível companheira.
O que nos sobrou?
Restou-nos o perambular sem fim,
Pois vagar sem um destino
É a sina dos desprovidos.
Raptores da lua cheia!
Larápios de araque!
Hoje, quem se aventurar
Pelos recônditos sombrios da alma,
Vai nos ver delirando, pulando e gritando
Para uma lua cheia imaginária,
Um astro que brilhou uma única vez,
E depois, sentados, desolados,
Plantando lágrimas no solo infértil.
- Autor: Doloroso (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 3 de março de 2021 18:51
- Categoria: Triste
- Visualizações: 17
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