(texto da folha de rosto)
A JANELA
(TRISTE E ENIGMÁTICO)
I'm a blind man
I'm a blind man
And my world is pale
When a blind man cries
Lord, you know
There ain't no sadder tale
(Ian Gillan/Ian Pace/Jon Lord/Ritchie Blackmore/Roger Glover)
(...)
For sighing is that ancient art of breathing sadness all around
(Chris de Burgh)
DEDICATÓRIA
Send you all my love in a handful of darkness
(Marian Gold/Martin Ian Lister)
A ti dedico meus últimos dias.
A ti dedico meus últimos sonhos.
A ti dedico meus últimos suspiros.
Não te dedico minhas lágrimas,
Minha decepção, meu desespero,
Minha dor,
Minha patética reação.
Quero dedicar-te apenas o melhor de mim.
A ti dedico meu segredo.
A ti dedico minha pálida fantasia,
O meu certo desejo incerto.
Não te dedico as horas de agonia,
As interrogações de minhas angústias
A comprimir meu peito acelerado.
Não ouso sequer dedicar-te minha dúvida.
A ti dedico minha loucura que,
Embora seja algo negativo,
Abriu-me nos lábios um sorriso.
Eu te dedico meu sorriso...
Tão pobre! Tão mirrado! Tão inexpressivo!
Tão imperceptível!
A ti dedico minha estéril curiosidade
E minha invisibilidade.
Não te dedico minha apresentação,
Minha figura a ti abominável,
Insignificante,
Insípida transparência.
Mas a ti dedico minha heresia,
Minha perseverança
E minha devoção ao que deveria ser odiado.
Não te dedico meu objeto de adoração
Porque sei que a ele viras o rosto.
A ti dedico o sol, astro que não é meu,
Mas cuja luz te faz despertar toda manhã,
E me adormece num sonho
Sacolejado por indizíveis presságios.
A ti dedico a paz de minha ruína,
A paz de minha amargura.
A ti não dedico minha amargura.
Há nesta terra quem a receberá melhor,
Num abraço longínquo,
Num embalar de carícias incompreensíveis.
A ti dedico meus pensamentos,
Soltos como balões coloridos no ar,
E que estouram trazendo-nos a decepção de criança.
Não dedico a ti minha criança,
Porque ela é pálida, doentia e inconsolável,
E sei que mãe tu não és.
A ti dedico meus instantes de vigília,
Não o meu sono profundo,
Pois é repleto de pesadelos.
O teu espaço deve ser o azul do céu,
Perfumado pelas flores salpicadas com um doce orvalho,
Nunca o podre lamaçal de um sonho aflitivo.
A ti dedico as gargalhadas, os amigos...
Os teus, não os meus, pois não os tenho.
Não te dedico a chuva.
Desculpe-me, mas ela é só o que eu tenho,
E é tão pouca!
A ti dedico as alegrias,
Mas não as que vêm da chuva.
A ti dedico a gratidão dos outros.
Merece-as.
A ti dedico meus planos feitos e desfeitos,
Executados e abortados,
Saudados e lamentados,
Lembrados e esquecidos;
Pranteados à beira do caminho, sepultados.
A ti não dedico minha vida.
Não deves ter contato com coisa tão abjeta.
Não te dedico meus mortos,
Minhas mortes particulares,
Meus parentes lunáticos e decadentes.
Já que não os têm, não queira tê-los emprestados.
A ti dedico minha solidão,
Essa lua que vaga pelo infinito
Desde antes do começo das eras
E eternamente após o fim dos tempos.
Não te dedico a lua astro,
Sobretudo a nova,
Porque não nos é permitido sondar a intimidade alheia.
Não te dedico meus pertences
Palpáveis e impalpáveis.
Tu os transformarias em cinzas
E como posso eu correr atrás das poeiras?
Eu te dedico o ar puro, a água fresca,
O alimento.
Te dedico uma mesa farta e a minha ausência nela.
Não te dedico meus heróis,
Minhas letras preferidas.
As coisas fúteis que te dedico são só as belas.
A ti dedico a preguiça do gato
E a argúcia do felino.
Cada um a seu modo,
Nós dois, temos algo a ver com eles,
Mas não a mesma coisa.
A ti dedico minhas infrutíferas meditações
Durante minhas caminhadas fugidias.
Por vezes os dedos da minha imaginação
Roçaram a tua presença.
Muitas foram as vezes
Que um triste despertar me trouxe de volta...
Não te dedico meu gemido de tristeza.
A ti dedico a natureza, as encostas,
As árvores, o vento que agita suas folhas.
Um ipê amarelo que não plantei,
Que não mandei florescer,
Que floresceu para ninguém,
Eu to dedico.
A ti dedico suas flores que caíram em vão,
Que não viste.
A ti dedico tudo de mim que não viste,
Que caiu ao chão,
Que floresceu em vão.
Os caminhos alheios são ladrilhados de indiferença,
Pavimentados com a ignorância,
Trilhados com desdém.
A ti dedico tudo o que sei
E te nego minhas insciências.
Não te dedico meus triunfos,
Meus momentos de glória.
Não tenho do que me orgulhar deles.
São horríveis manchas de vergonha.
A ti dedico meu orgulho,
Pois te arrancam deliciosas gargalhadas,
E depois, um inimputável esquecimento.
A ti dedico o desconhecimento de tua paragem,
Mesmo sabendo que estás em toda parte;
Em cada célula do meu corpo,
Em cada átimo do meu pensamento,
Em cada molécula de ar.
Sinto teu rasto negro serpenteando pelos caminhos...
Não te dedico a caridade.
Sou mau em essência.
Mas também não te dedico meu ódio.
A morte é algo bom.
Será bom para mim, será para ti,
Para o mundo e para os que amas.
Então, eu nos dedico a morte.
Eu te dedico a consumação de minhas forças,
Física e intelectual.
A consumação de meus dias;
A exaustão da minha mente
A procurar e alinhavar estas tantas
E tão estéreis palavras.
- Autor: Doloroso (Pseudónimo ( Offline)
- Publicado: 25 de fevereiro de 2021 13:38
- Comentário do autor sobre o poema: Este texto é o primeiro dos oito que compõem o projeto A JANELA (TRISTE E ENIGMÁTICO).
- Categoria: Triste
- Visualizações: 19
Comentários1
Realmente,um poema triste,denso mas belo pela criatividade. Aplausos!
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