Abel Ribeiro

Divórcio com a forma

.... diálogo com a estética de Bukowski

meio abatido, meio interrogativo e isol
ado no quarto, acordo e procuro entender o relevo da cidade.
Numa manhã de clima quente, olho pra cobertura de um prédio de clas
se média e penso “nossa, vocês estão bem melhor que a maioria do povo”, pas
sa uma moto barulhenta, poucos carros na rua,
uma pizzaria fechada e as casas em silêncio... derrepen
te, um leve barulho de uma roçadeira de grama, meio desconfor
tável e chato.
décimo sexto dia de confinamento, já ligo a tv para saber das notícias locais, mas no fundo me interessa mais as nacionais e interacionais. Floria
nópolis tem uma geografia meio excludente
e nesse outono ainda é quente.
penso na praia, na família, na tese que ainda está esperando
um imponderável acontecimento. no quarto a prole dormindo, à janela fui pegar uma brisa, refletir um pouco, sobre a quaren
tena e quanto tempo terei que aguentar em casa a pandemia.
o mundo não será como antes depois do covid-19, tô pagan
do pra ver como o capital vai se recompor, tudo tá meio indefin
ido, sem ainda um significado meio = uma sinuca ou xeque, ainda não é mate. cavalo, bispo, peão, as peças do xadrez, alguém vai cair. jogo da # ficou de lado, mas a porrinha do J. Bolsonaro com suas merdas
1, 2, 3, 4, 5... vai ter fim.
Porém até o momento, esse jumento
Tá com rumo incerto! Receberá xeque mate, cairá!?
várias preocupações repousam na consciência,
como sairá a classe trabalhadora dessa tempestade?
ahh.. tempestade, ligo o computador e escuto a música do Creedence,
Have You Ever Seen The Rain, numa aula de inglês on line
começo a viajar na letra e enquadro toda a situação a ela.
minha mão ora no computador, ora nos compromissos da casa,
limpeza da geladeira e lixo na lixeira.
A divisão de tarefas não apagou a música da minha cabeça, vai uma parte aqui:
Alguém me falou há muito tempo
Que há uma calmaria antes da tempestade
Eu sei, vem vindo há algum tempo
Dizem que quando terminar
Choverá num dia ensolarado
Eu sei, brilhando como água
A tempestade (Renato Russo) que se está vivendo
não avisou o dia do começo e nem anuncia o dia do fim.
Mas eu tô verdadeiramente querendo
Sair dessa crise sorrindo de mim e pra mim
Sem ver minha classe morrendo
Escuto longe a música da Enya, parecia vir da casa da vizinha do térreo,
New age me acalma e novamente me volta a perguntar:
qual vai se a dinâmica dessa merda? será que se abre uma situação revolucionária mundial?
como a consciência da classe se comportará?
Será que que a classe trabalhadora percebeu que sem o seu trabalho o sistema não funciona? Só sei de uma coisa: os patrões estão desesper
ados, tentando leva-los de volta ao trabalho. Sórdidos burgueses.
Vai terminando a manhã e penso em escrever
Pego o livro do Bukowsky - “Tempestade para os vivos e para os mortos”
Me ajuda a não sofrer.
Leio os poemas “as condições” e “porq tud se sgota” me sirvo deles
Para terminar essa verve crônica
“Sob as condições do sol
preparo-me para largar
o labor, a dor e qualquer
honra que reste”

Abel