ÚLTIMO BEIJO
Casaram-se e foram felizes para sempre.
Fomos. Na vida real, um dia o sempre se bifurca,
o amor persiste, em planos paralelos.
Dias e dias, dias e dias, na hora marcada,
eu o visitava na UTI, inerte, lasso,
perdido no coma profundo.
Ansiava por um gesto, um suspiro,
um sinal de vida, além dos números,
e linhas dos monitores ligados.
Esperava que abrisse os olhos.
Ainda me conheceria, talvez?
Não pude ver a luz do seu olhar.
Que me chamasse. Saberia meu nome?
Perceberia minha presença fiel?
Não ouvi o sussurro da sua voz.
No último dia, num repente, apertou
com força a minha mão. Busquei seus olhos,
as pálpebras não se abriram.
Nem um traço mudou, no rosto calmo,
mas os lábios arredondavam com firmeza
nítida e improvável boca de beijo.
Poucos segundos, eternos na memória.
Das sombras do limbo, no derradeiro esfôrço,
meu bem me atirou seu último beijo.