Victor Severo

Arauto

Na sombra da meia noite

Ou no ardor do meio dia.

Repito um credo, uma litania.

Na ilusão de minha dor aplacar.

E no êxtase de tamanha agonia.

Nessa amargura lampejante e fria.

Penso escutar um anjo sussurrar.

O que murmura esse ditoso anjo?

Será um querubim, será um arcanjo?

Será que quer minha prece arremedar?

Se compadece de minha desgraça?

De minha alma já entregue às traças.

Ou de minha insanidade vem zombar?

Mas em silêncio e inerte me observa.

Traz um recado, que guarda com reserva.

Chegou a hora de me revelar.

Eis o que disse o mesquinho anjo.

Que não era um querubim, tampouco arcanjo.

Eis o que tinha para me falar.

Abriu sua boca cheia de preguiça.

E como num sermão de odiosa missa.

Solene e cínico colocou-se a gritar:

“Viva sua vida triste e desgraçada.

Caia, rasteje no lodo da estrada.

Prossiga, sofra, sem nunca descansar.

Viva e morra no esquecimento.

Sem poder sequer murmurar um lamento.

Sem esperar por nada que possa lhe salvar”.