Marcelo Veloso

OI! TEM ALGUÉM AÍ?

O despojar da lama

mineralmente incontrolável, sujou

num devastar cidadão

muitos corpos enterrou

ensanguentando rios e mar,

por distâncias absurdas,

que a imprudência insana marcou.

Muito se espera, nada se faz

mas, o grito ainda se ouve,

dolorido, no seu exprimir,

que a revolta registra sonoramente:

- Oi! Tem alguém aí?

 

No rastro rebuscado da omissão

marco indolente da rapinagem

ambientes familiares são devastados

soterrados pela incompreensão

denotada pelo descaso

e nada substitui o falso compasso do subsistir

enquanto o juízo cala pela falta de entender

porque tantos choram e imploram:

- Oi! Tem alguém aí?

 

As pedras desconexas

descem barrancos e morros

num estrondoso despencar,

o cidadão da encosta, desolado, sangra

pois dos reis da usurpação,

nada se espera, a não ser o escorar,

não se importando com nada

nem com o abafar do sentir

enquanto vozes são arremessadas aos destroços:

- Oi! Tem alguém aí?

 

E sob o pretexto infame e abrupto de drogadição

enreda-se a batuta da armadura

para uma limpeza quimérica da escória

e neste esgoto rompante

o estrondo de máquinas e fogo

dita-se uma postura inodora

sem se importar com os escombros feitos ali,

e o engasgar de mães desesperadas,

gritando em busca dos filhos:

- OI! Tem alguém aí?

 

O jato da mediocridade

é o retrato do ausentar da decência

para quem só pensa no umbigo

e não se sensibiliza

com a expressa clemência

de apenas querer um abrigo

e muitos bajuladores e serviçais

sem dó riam do arrogo no espancar coitados

que tem na rua a sua sobrevivência efêmera

saqueando-lhes o direito de ir e vir

que no mendigar, n’uma busca opaca:

- Oi! Tem alguém aí?

 

E no ofuscar da ganância corre o fogo e a fumaça

consumindo corpos em total confinamento

Ninguém quis que na musicalidade sórdida

sobrasse riscos e denúncias

de um local em isolamento

mas a penúria toma um rumo mais imperfeito

em que a defesa, como um mistério público

deixa de ser o exigir

e no desconsolo, além da ausência familiar,

nem se pode perguntar:

- OI! Tem alguém ai?

 

E tudo vai ao zero,

num questionar cínico,

vesgo, surreal e vulgar,

debulhando arrogância,

deboche e perversão

em não querer aceitar

que se manifeste exigindo

bem constante, o sair

mesmo nada tendo

a influenciar do temer

quando se ouve uma onda borbulhante:

- Oi! Tem alguém sensato aí?