para quem trabalha nas alturas
a existência é esse monta e desmonta,
cá embaixo nada é muito diferente:
temos a estrutura temporária dos andaimes.
as substâncias da minha infância
foram pedra, areia, cimento...
morávamos nos fundos de uma loja
de material de construção, vizinhos compravam
para levantarem casas;
eu ficava perguntando se havia loja de material
para construção de um poema, levaram-me à escola,
como andaime que cresce rente à superfície da edificação,
colocaram-me para crescer junto das palavras.
vindo de uma família de pedreiros,
a palavra andaime andava muito lá em casa.
andei por vários, meu pai mostrando as obras que fazia,
pisos antiderrapantes... por que caí?
ou vento forte derrubou?
a poesia trabalha dentro dos andaimes.
perdi as contas das quedas trabalhando nas alturas dos poemas.
olhando a torre imaginava os andaimes de Babel.
como foram levantados?
a vida foi muito alta para mim.
às vezes ultrapassamos alturas necessárias,
demasiado altas são as águias para as garças
e não sei de que altura me empurraram,
se ando em busca da altura perdida, de mim mesmo, da substância leve.
encontrei andaimes mais para demolir que edificar.
onde pisei, a dúvida se era andaime ou cadafalso.
sempre estive à esquerda do abismo.