Abel Ribeiro

Minha defesa é o que eu escrevo

Uma crônica da angustia

No limiar do humano, nas situações mais difíceis, você é desafiado a se defender. Usa todas as armas ao seu alcance, visíveis, invisíveis; materiais e imateriais para combater seu inimigo.

Ai... canetas passam a ter mais valor, sacolas passam a servir mais, vidros, copos, toalhas passam a ter mais serventia. Se você é meio intelectual, livros lhe servem, se você gosta de correr, calçadas lhe servem, se você gosta de vento, janelas lhe servem.

O momento nessa hora lhe provoca e lhe questiona. Pandemia! Confinamento! Quarentena! Fique em casa! Ufa!!!

Mortes! Esse passa a ser comum no seu cotidiano. Enquanto isso eu durmo, minto, tento dormir, pra refletir e deixar de pensar no caos.

Diante dessa mudança eu passo a refletir sobre o tempo, sobre o meu texto, sobre o meu objeto. Afinal tudo ocorre no tempo, esse desgraçado possui uma concretude invisível e infinita, tem efeito material sobre a vida, gera valor nas coisas, mercantiliza a vida, faz nascer o mais valor e dele o homem faz do trabalho sua sobrevivência.

Hoje passei por uma pequena praia poluída, proibida de banhar, contemplei olhando na cara do horizonte. Isso no momento em que as coisas estão sendo proibidas, menos o meu ovo cozido.

Dai você procura uma diversão, encontra numa taça de vinho inspiração e nesse devaneio lhe vem Clarice Lispector  na cabeça, antes que a cabelça esqueça. Puta que pariu, o tédio é fortuitamente imposto nesses tempos de incerteza.

Nesse exato momento estão nascendo crianças, nesse momento há um cuidado maior com elas, pois nascem onde o vírus circula. Crianças de dois, cinco, sete, setenta, oitenta anos correm risco. Coitados dos nossos vulneráveis, loucos, esquizofrênicos, cochos, loucos, mudos. Muita gente precisa de você.

Tudo passa a ser incerto nesse momento de crise. Freud institui no seu repertório a figura do estranho, ai você para e pensa, eu sou um estranho no mundo? Quem sou eu? Na família somos visto de uma forma, na escola de outra, na festa, no cemitério, na universidade, no shopping, na praia...  Somos uma semiótica do não ser.

Estranho!!!

O que conhecemos ou dissemos que conhecemos nos assusta também. Às vezes mentimos pra nos mesmos. Como? Não era assim; que epifania é essa? Minha nossa, como entender o outro?

Pare um momento preciso rir.

O mundo dos humanos é uma avenida cheia de carro e carregada de multidões. Todos os complexos estão ali. A onda é mais ou menos assim? Será que o cachorro não tá preocupado com a saída do seu dono de casa? A missa e o padre devem estar preocupados como perdoar os pecadores do supermercado, da balada, da cerveja, da sexta, que inclusive ainda nem tá rolando. Até o sexo ficou meio no escanteio nesse picadeiro da crise.

E o tempo vai passando. E como é o amor nesse tempo? Faz-se amor tranquilo nesses dias? O que te deixa feliz? O hoje ou o amanhã? Tem coisa que lhe faz feliz e que você nem acreditava: uma goiabeira, um suco de goiaba, o feijão gostoso temperado na panela de pressão, um vinho seco...

Desde as primeiras horas da manhã você pensa no que fazer, para um louco quase doutor que quer se refazer, a leitura é a redenção. Sem ler não há vida, em 24 horas no mínimo quatro é dela. Senão vai parecer que estamos sangrando, pois a vida passa a não ter sentido. Até a relação com o computador, mudou, passou a ser mais utilitária, necessária, loucura!? A mercadoria passou a humanizar o homem. Que horror!!

Nessa onda do vírus, assisti o filme do Ken Loac “Você não estava aqui”. Tocou-me bastante, me lembrou do existencialismo sartreano e a desgraçada da uberização forçada dos trabalhadores perante a crise capitalista.

Como diz a gíria, é muita onda. Eu que vim do norte para o penúltimo estado do sul estudar me deparo com essa palhaçada. Nasci e me criei em Abaeté e muitas vezes ouço vozes do passado batendo na minha romântica consciência pela memoria de minha infância e adolescência.

Com a cabeça no travesseiro faço muitas vezes minha filosofia aflorar. Porque estou aqui? Quem sou eu? Sou um maluco meio desconfiado com a vida, meio inconformado com essas maluquices do mundo humano.

Enfim... as vezes deixo louças sujas na pia. Quem nunca deixou? Em geral fico por horas pensando no devir, no amanhã.

Acho que nasci de novo. Mas já afirmo novamente, talvez amanhã eu morra por algumas horas. Pronto! Agora não esqueça que eu tenho uma vontade de viver que a vida me serve como um alimento e para superar esse momento até utilizo o otimismo dos outros como fermento.

Gosto de rir e acho isso muito importante. Mesmo não vendo uma piada no horizonte dialogo como meus segredos imediatos sobre a loucura e a minha imaginação. Desculpe, agora vou olhar as estrelas.

Abel