Luana Santahelena

Manual Provisório para os Dias Natalinos

Quando o clima natalino é ativado,
o bom senso tira férias sem aviso
e o coração — esse órgão pouco confiável —
assume o comando como quem diz:
relaxa, hoje eu sei o caminho.

Confesso:
nesses dias como sem negociar com a consciência,
rio alto demais para o tamanho da sala,
e conto a mesma história
com a convicção ingênua
de que ela ainda pode surpreender alguém
— inclusive a mim.

Há algo de profundamente filosófico
nessa suspensão temporária da lucidez.
Como se a vida, cansada de explicações,
permitisse um intervalo
onde exagerar não é erro,
é método de sobrevivência.

A mesa farta me observa em silêncio.
Ela sabe.
Sabe que não é sobre comida,
nunca foi.
É sobre cadeiras ocupadas,
mãos que se esbarram,
presenças que dizem
“estou aqui”
sem precisar provar nada.

E eu, mulher feita de dúvidas bem-organizadas,
percebo que no Natal
até minhas certezas afrouxam o nó.
Talvez porque o coração,
quando assume o comando,
não exige coerência —
apenas verdade sentida.

Cada riso vira abrigo.
Cada exagero, uma memória em formação.
E a esperança… ah, a esperança,
essa não se desembrulha nunca.
Ela fica ali, quieta,
como uma luz esquecida acesa na cozinha,
iluminando sem alarde
os dias comuns que ainda virão.

No fundo, suspeito —
com uma ironia carinhosa —
que o Natal é só isso:
uma desculpa poética
para lembrarmos que viver
também pode ser leve,
mesmo quando não sabemos exatamente
para onde estamos indo.