Era só uma noite — como qualquer outra que fosse — mas, desta vez, havia algo diferente dentro dela, algo prestes a externalizar-se e a afetar sua maneira de viver. Sentia uma coisa que não sabia descrever, tampouco nomear. Ainda assim, ela sabia: era de se esperar que tudo em sua vida mudaria a partir de então.
Ao entardecer, surge um sentimento de deslocamento. Ela se percebe fora da curva — nunca esteve sequer perto de onde gostaria de estar ou de chegar. Totalmente fora da linha, dos limites e do âmbito que sua realidade atual permite.
Diante dessa dor angustiante da frustração consigo mesma, a decepção e a vergonha tomam conta de si por inteiro. Beira o colapso: um surto mental que extrapola todos os limites físicos e mentais que um ser humano é capaz de suportar.
Portanto, ela se manterá só por enquanto, na crença e na busca por uma mudança total em si mesma — tornar-se forte para sobreviver a barreiras existenciais tão vastas. A pobre menina, que tantas vezes foi enganada, passada para trás e humilhada por qualquer um… o problema, definitivamente, é ela. Assim acredita.
Logo então, deverá, a princípio, reivindicar quem és.
Memórias? Todas apagadas.
Socializar? De forma alguma.
Curtir? Não merece.
Amigos? Costumava ter — ou ao menos achava que tinha.
Não resta mais nada.
Nem ninguém.
Ela permanecerá sozinha enquanto não garantir que esteja bem. Estável. Perfeita.
— Mude teu comportamento e tuas atitudes; assim não serás julgada pelos mesmos motivos.
— Retraia teus sentimentos; nunca mais sofrerás por eles.
— Não coma. Treine. Destrua teu corpo e a ti mesma. Embeleze-se. Talvez assim seja vista, desejada ou sequer digna de alguma coisa — e jamais comparada ou tratada como coitada.
Em sua versão extrema, apesar de tanta mudança e privação, ela sente um ar de satisfação — semelhante àquele que sempre observou na vida alheia: dos que parecem desfrutar das melhores características, aquelas que tornam a vida simples.