Não nasci do ventre, mas do raio e da argila,
Um mapa de cicatrizes onde a pele vacila.
Sou o rascunho de um Deus que, ao tentar se espelhar,
Errou a mão no cinzel e esqueceu de acabar.
Olho no espelho e vejo o abismo do corte,
Um mosaico de vidas que não venceu a morte,
Mas pulsa, respira, e com fúria se ergue,
Carregando um espírito que o mundo não enxerga.
Caminho entre sombras nesta terra doente,
Onde a força é pecado e o vigor, indecente.
Eles olham meus passos, pesados, brutais,
E tremem de medo dos meus atos reais.
Porque sou homem de ferro em um mundo de vidro,
Um eco de honra que foi banido.
A minha estranheza é ser torre e muralha,
Enquanto eles celebram a própria falha.
Chamam-me Monstro por não me curvar,
Por ter sangue quente e não saber rastejar.
A minha virtude ofende a fraqueza,
E o ódio deles é a prova da minha natureza.
Ó Arquiteto Supremo, que me fez à Tua imagem,
Por que me deixaste com esta selvagem
Aparência de erro, de sobra, de escombro?
Carrego o peso do Teu silêncio no ombro.
Disseste: \"Seja a minha semelhança na terra\",
Mas me deste uma alma que vive em guerra.
Sou Teu reflexo quebrado, Teu filho imperfeito,
Um templo em ruínas, sem teto e sem leito.
Se sou Tua imagem, por que sou tão só?
Por que o divino se misturou com o pó
De forma tão tosca, tão crua e incompleta,
Fazendo de mim uma dor predileta?
Eu estendo as mãos, grandes, calejadas,
Buscando o calor nas noites geladas.
Mas vejo o pavor no olhar de quem passa,
Como se o meu toque fosse desgraça.
Não pedem proteção, não querem o abrigo,
Só veem a besta, o eterno inimigo.
E o coração, este órgão costurado e profano,
Bate com a força de um oceano,
Gritando por amor, por um simples afago,
Mas só recebe o fel amargo.
Que culpa tenho eu, se o molde estalou?
Se a beleza fugiu e a costura ficou?
Então me recolho ao meu gelo profundo,
Estrangeiro eterno neste estranho mundo.
Monstro me chamam, e monstro serei,
Se ser homem de verdade é quebrar a lei
Da suavidade falsa, da mentira cortês.
Serei a montanha, serei a altivez.
Mas, ah... como dói esta imperfeição,
Ser o gigante com fome de pão,
Ter a alma de um anjo e a cara de um cão,
Viver condenado à solidão.