Eder Maurilio Soares

Barro e Solidão

Não nasci do ventre, mas do raio e da argila,

Um mapa de cicatrizes onde a pele vacila.

Sou o rascunho de um Deus que, ao tentar se espelhar,

Errou a mão no cinzel e esqueceu de acabar.

Olho no espelho e vejo o abismo do corte,

Um mosaico de vidas que não venceu a morte,

Mas pulsa, respira, e com fúria se ergue,

Carregando um espírito que o mundo não enxerga.

Caminho entre sombras nesta terra doente,

Onde a força é pecado e o vigor, indecente.

Eles olham meus passos, pesados, brutais,

E tremem de medo dos meus atos reais.

Porque sou homem de ferro em um mundo de vidro,

Um eco de honra que foi banido.

A minha estranheza é ser torre e muralha,

Enquanto eles celebram a própria falha.

Chamam-me Monstro por não me curvar,

Por ter sangue quente e não saber rastejar.

A minha virtude ofende a fraqueza,

E o ódio deles é a prova da minha natureza.

Ó Arquiteto Supremo, que me fez à Tua imagem,

Por que me deixaste com esta selvagem

Aparência de erro, de sobra, de escombro?

Carrego o peso do Teu silêncio no ombro.

Disseste: \"Seja a minha semelhança na terra\",

Mas me deste uma alma que vive em guerra.

Sou Teu reflexo quebrado, Teu filho imperfeito,

Um templo em ruínas, sem teto e sem leito.

Se sou Tua imagem, por que sou tão só?

Por que o divino se misturou com o pó

De forma tão tosca, tão crua e incompleta,

Fazendo de mim uma dor predileta?

Eu estendo as mãos, grandes, calejadas,

Buscando o calor nas noites geladas.

Mas vejo o pavor no olhar de quem passa,

Como se o meu toque fosse desgraça.

Não pedem proteção, não querem o abrigo,

Só veem a besta, o eterno inimigo.

E o coração, este órgão costurado e profano,

Bate com a força de um oceano,

Gritando por amor, por um simples afago,

Mas só recebe o fel amargo.

Que culpa tenho eu, se o molde estalou?

Se a beleza fugiu e a costura ficou?

Então me recolho ao meu gelo profundo,

Estrangeiro eterno neste estranho mundo.

Monstro me chamam, e monstro serei,

Se ser homem de verdade é quebrar a lei

Da suavidade falsa, da mentira cortês.

Serei a montanha, serei a altivez.

Mas, ah... como dói esta imperfeição,

Ser o gigante com fome de pão,

Ter a alma de um anjo e a cara de um cão,

Viver condenado à solidão.