No centro do peito, onde o silêncio ecoa,
Existe uma máquina de ouro e de névoa.
Não é feita de aço, nem forjada em brasa,
Mas dita o ritmo da vida que passa.
Um círculo perfeito, de vinte e quatro horas,
Onde a alma desperta e o corpo evapora.
Ouve o tic-tac, martelo no estribo,
Cada segundo é um rei, cada minuto um arquivo.
À meia-noite em ponto, o pêndulo oscila,
O zero absoluto, a primeira pupila.
Nasce o infante no breu da engrenagem,
Sem saber que o tempo é uma longa viagem.
Das zero às seis, o tempo se arrasta,
Um sonho de leite em planície vasta.
Aqui, cada hora parece um milênio,
O mundo é gigante, o menino é pequeno.
O ponteiro dos segundos é lento e sutil,
Uma brisa suave num campo de anil.
Não há pressa no tic, nem medo no tac,
A vida é promessa, ainda intacta no saco.
Batem as seis, a alvorada desponta,
A juventude acorda e não faz a conta.
O relógio acelera, ganha força e vigor,
O sol sobe a escada, secando o suor.
Das oito às dez, a ambição devora,
Queremos o mundo, queremos agora!
O som da máquina torna-se forte,
Desafiando o destino, ignorando a sorte.
Corremos contra o mostrador de cristal,
Achando que a corda é, de fato, imortal.
O meio-dia se aproxima, o ápice da luz,
Carregamos o tempo como quem leva uma cruz,
Mas uma cruz leve, feita de plumas e glória,
Crentes que somos os donos da história.
Doze badaladas. O sol está a pino.
O homem maduro encara o destino.
Os dois ponteiros se beijam no topo,
É o cume da vida, o transbordar do copo.
Mas mal o sino termina o seu canto,
O ponteiro desce, coberto de espanto.
O tic-tac muda, fica mais grave e seco,
Como passos de ferro num longo beco.
Percebe-se agora, no auge da festa,
Que a descida é mais rápida que a subida da questa.
Das treze às dezoito, a tarde declina,
A máquina range, a vista neblina.
O que era \"futuro\" virou \"ontem\" depressa,
E a angústia do tempo aos poucos começa.
Olhamos o relógio com certo pavor:
\"Já são quatro da tarde? Onde foi o calor?\"
As engrenagens pesam, o óleo engrossa,
Cavamos memórias na nossa própria fossa.
Os filhos cresceram, o ponteiro girou,
Ouro virou bronze, o que era voo, pousou.
O ritmo é frenético, o tempo escorrega,
Como areia fina que a mão não nega.
Crepúsculo chega, dezenove horas,
O céu fica roxo, fecham-se as portas.
A velhice é a noite, serena e fria,
Onde se conta o lucro e a perda do dia.
O tic é saudade, o tac é adeus,
Conversas baixas entre o homem e seus deuses.
Vinte e uma, vinte e duas... o quarto escurece,
O corpo é o relógio que a alma esquece.
O pulsar do pulso imita o metal,
Buscando o silêncio do ponto final.
Vinte e três e cinquenta e nove, o fim do quadrante.
A vida inteira num sopro distante.
O ponteiro dos segundos dá a volta final,
Não há mais \"amanhã\" no mostrador principal.
O pêndulo para, suspenso no ar,
O tempo se quebra, volta a ser mar.
Zero horas.
O relógio reinicia, indiferente e exato.
Mas nós somos pó... E o tempo, o retrato.