Nasci sem pedir por este instante,
lançado ao acaso em um mundo que não escolhi,
num tempo que corre depressa demais
para quem quer sentir,
e devagar demais
para quem só quer escapar.
Cresci vendo pessoas perseguirem miragens,
colecionarem vitórias que se desfazem no ar,
como poeira que se sopra da mesa, e ainda assim pesa.
Vi vidas inteiras dedicadas
a preencher vazios que não têm fundo,
a acumular o que não cabe no peito,
a correr atrás do que não vive.
E eu, que só queria respirar,
tatear o sentido das coisas,
encontrei-me num mundo onde existir
é quase um ato de resistência.
E assim como nasci sem pedir,
também partirei um dia,
talvez contra minha vontade,
talvez por vontade própria,
mas partirei.
E nada levarei comigo
além da memória do que fui,
e nem isso durará.
Seremos esquecidos, todos,
como ondas que apagam os próprios rastros na areia.
Mas antes que o tempo me dissolva,
deixo estas palavras:
um poema, um sussurro,
um vestígio do que senti
ao habitar este breve intervalo entre dois silêncios.
Que o futuro saiba,
mesmo que por um instante,
como era ser eu
no mundo em que nasci
e do qual, inevitavelmente, partirei.