? a menina dança?
? não sei dançar.
? aproveite enquanto é tempo, baile à sua vontade.
? já lhe disse, não me permito, não sei dançar.
? menina, isso pouco importa, importa é que queira dançar!
? queria eu…
? dance comigo.
? desculpe?
? dance comigo. vivamos esta vida, antes que dessa se esqueça, enquanto é tempo de morangos. na cova, arrependimentos pouco lhe vale.
? ah, pouco já me vale a vida que me resta. viva, viva.
? vá, dança ou não, madame?
? posso dançar se par não tiver.
? par não tenho!
? ensine-me a dançar, guie-me pela margem da pista. aviso-lhe já que pouco jeito tenho.
? não se inquiete! a quem devo eu a honra de dançar?
? Natália.
? Natália, que nome bonito! não perca o passo. sinta a leveza nos sustentos, raízes da alma, em compasso de valsa, enquanto a guio pela pista afora.
? não me coordeno, pé de chumbo o meu. nem sei porque saí hoje.
? Natália, não se apoquente, aproveite o tempo pós-ócio, em que fruímos do pouco que sobra. que o esforço para ganhar a vida não nos roube a vida que nos resta.
? sim, sim, isso é tudo muito belo, muito utópico, senhor(…)
? António.
? (…)António, porém, não se esqueça que a vida para não nos ser roubada, precisamos de a ter. eu, pouco vivo, erro em ruas, ganhando o pão de cada dia.
? é verdade Natália, estou de acordo consigo. não se perca, mantenha o pé proado.
? pena que a dança já se encaminha para fim certo, já me estava a ajeitar.
? não se preocupe, Natália.
? bem, acabou a valsa, a dança que me andançava, deu-se por terminada, sem consentimento meu, sem plena concordância. eis-me aqui, no meio da pista, sem valsa para valsar.
? a valsa terminou, mas haverá mais. não dê o incerto por certo nem o certo por incerto.
? por hoje, estou agradada. obrigado, António.
? pouco tem de quê, Natália, cuide-se. não dê a dança por dançada, nem a vida por terminada. permita-se, Natália.
nenhuma vez mais se entreolharam, deixando-se-lhes por terminada a valsa.
guilherme,22.53.10.12.25