Sezar Kosta

RECEITA PARA O INSTANTE QUE O AMOR ARDE

No silêncio antes do primeiro gesto,

o amor se ergue como um aroma tênue,

um vapor quente subindo da panela da esperança.

Ali, onde o tempo se mistura ao desejo,

aprendemos que sentir é também preparar:

mexer o mundo com mãos que tremem

e ainda assim confiam no que pode surgir.

 

É no dia comum que o amor revela sua química:

na paciência que descansa sobre a mesa ao amanhecer,

na compreensão que ferve lentamente

quando as horas se tornam pesadas,

no cuidado que se infiltra entre pequenas falas,

no respeito que assenta o sabor mesmo dos desencontros.

Cada gesto — um ingrediente preciso,

cada silêncio — uma pausa necessária para não queimar

o que ainda está sendo aprendido.

 

Mas a receita não é sempre dócil.

Há dias em que a chama sobe demais

e o coração, febril, ameaça transbordar;

outros em que quase não se sente o calor

e o afeto parece dormir no fundo da panela.

Entre excessos e faltas, cresce o risco

de temperar com medo ou esfriar por descuido.

Ainda assim, algo insiste:

uma confiança que se renova

quando percebemos que amar é ajustar,

provar outra vez,

aceitar que nenhum sabor permanece igual

e que nisso reside sua beleza —

a alquimia mutável que nos mantém atentos

ao que o outro também tenta ser.

 

E então compreendemos:

o amor é esse prato que nunca se serve pronto,

um fogo que exige presença

e um perfume que só existe quando partilhado.

Quem o experimenta com verdade

não procura perfeição,

mas a coragem de continuar acendendo a chama.

Porque é no instante em que o fogo e o afeto respiram juntos

que nasce o sabor que permanece —

aquele que, mesmo depois do último gesto,

ainda arde na memória como um convite

para recomeçar.