No centro do dia, onde o tempo respira curto,
descubro que o futuro é um mapa dobrado demais,
cheio de linhas que prometem caminhos
mas não aquecem as mãos que o seguram.
Prefiro este instante aceso,
onde a luz toca a pele sem pedir permissão
e cada segundo se comporta
como um animal selvagem que só existe
enquanto o olho acompanha.
Há uma claridade simples no copo que sua sobre a mesa,
na conversa torta que nasce entre amigos
e tropeça em risadas invisíveis.
O agora tem cheiro de pão abrindo o dia,
som de passos que não esperam instruções,
cor de tela piscando um episódio novo
enquanto deixo que o mundo lá fora
continue inventando seus calendários.
Aprendi que projetar amanhã demais
é erguer cidades onde nunca estarei,
e depois chamá-las de dívida.
Meu passado riscou na memória
uma estrada de alertas suaves:
o que adio cria salas vazias,
ecoando reuniões com fantasmas
que discutem alternativas vencidas.
No entanto, aqui — neste intervalo pulsante —
a vida se revela inteira,
com seus brilhos inesperados
e suas quedas que arranham,
ensinando que existir dói e encanta
exatamente na mesma medida.
Por isso recolho minhas construções tardias
e deixo o vento derrubar o que era miragem.
Fico com este momento estranho e verdadeiro,
onde o real tem as mãos sujas de terra
e ainda assim me oferece abrigo.
Se alguém chegar, que chegue leve,
trazendo somente o que possa ser partilhado —
um gesto, um riso, um sabor.
Porque é só no presente
que a vida permanece inteira o suficiente
para ser tocada.