Luana Santahelena

Projetando o Amanhã Demais

No centro do dia, onde o tempo respira curto,

descubro que o futuro é um mapa dobrado demais,

cheio de linhas que prometem caminhos

mas não aquecem as mãos que o seguram.

Prefiro este instante aceso,

onde a luz toca a pele sem pedir permissão

e cada segundo se comporta

como um animal selvagem que só existe

enquanto o olho acompanha.

 

Há uma claridade simples no copo que sua sobre a mesa,

na conversa torta que nasce entre amigos

e tropeça em risadas invisíveis.

O agora tem cheiro de pão abrindo o dia,

som de passos que não esperam instruções,

cor de tela piscando um episódio novo

enquanto deixo que o mundo lá fora

continue inventando seus calendários.

 

Aprendi que projetar amanhã demais

é erguer cidades onde nunca estarei,

e depois chamá-las de dívida.

Meu passado riscou na memória

uma estrada de alertas suaves:

o que adio cria salas vazias,

ecoando reuniões com fantasmas

que discutem alternativas vencidas.

No entanto, aqui — neste intervalo pulsante —

a vida se revela inteira,

com seus brilhos inesperados

e suas quedas que arranham,

ensinando que existir dói e encanta

exatamente na mesma medida.

 

Por isso recolho minhas construções tardias

e deixo o vento derrubar o que era miragem.

Fico com este momento estranho e verdadeiro,

onde o real tem as mãos sujas de terra

e ainda assim me oferece abrigo.

Se alguém chegar, que chegue leve,

trazendo somente o que possa ser partilhado —

um gesto, um riso, um sabor.

Porque é só no presente

que a vida permanece inteira o suficiente

para ser tocada.