Sezar Kosta

QUEM SABE UM DIA

Eu gostaria, quem sabe um dia…

voltar a conversar com Deus sem medo,

como as crianças falam com o vento,

sem teologia, sem desconfiança,

com aquela fé que não pesa,

apenas pousa.

 

Eu gostaria, quem sabe um dia…

lembrar o nome das coisas simples,

o cheiro do pão, o silêncio da tarde,

a pureza que o tempo levou

como quem leva água nas mãos

e não percebe a perda.

 

Eu gostaria, quem sabe um dia…

desaprender a dureza do mundo,

essa engrenagem que mastiga sonhos,

que troca almas por algoritmos,

que vende esperança em prestações

e chama lucro de milagre.

 

Eu gostaria, quem sabe um dia…

entender por que os homens

esquecem tão rápido o essencial —

o abraço que salva, a escuta que cura,

a compaixão que devolve fôlego

a quem já respirava só por hábito.

 

Eu gostaria, quem sabe um dia…

reencontrar a verdade divina

no avesso da vida moderna,

onde tudo brilha, mas nada ilumina,

onde todos falam, mas ninguém confessa

o tamanho do próprio vazio.

 

Eu gostaria, quem sabe um dia…

aprender a amar com lucidez,

sem a ilusão dos mártires cansados,

sem o peso dos cínicos orgulhosos —

apenas amar,

como quem reconhece no outro

a última chance de redenção do mundo.

 

E se esse dia não vier,

que ao menos eu continue procurando,

mesmo entre ruínas, tumultos e telas,

um rastro de inocência que sobreviva,

um sopro de Deus que ainda resista,

uma luz pequena — mas honesta —

onde eu possa repousar a alma

e enfim dizer baixinho:

“eu me lembro.”