Meu dia começa na foto um: foto de capa.
Imagem do meu quarto — meio claro, meio escuro.
Eu, sentado na cama, nessa penumbra, ainda apareço sem rosto.
Foto dois.
Ainda em preto e branco.
Janela aberta.
Um amanhecer acinzentado, bastante nublado, com cara de que vai chover.
A cachorrinha, dentro da casinha, me olha sem se mexer.
Foto três.
Fumaça da água sobre o fogão.
A garrafa térmica com o filtro e o pó esperando por ela.
Foto um pouco desfocada, com cheiro de manhã.
Pela janela, em contraste com a luz fria, a imagem da luz do dia.
Foto quatro.
Caneca grande sobre a pequena mesa de canto.
Eu, sentado ao lado, segurando um pratinho com um pedaço de pão.
Sobre a minha cabeça, o cabelo desarrumado, com o pensamento emoldurado por certa preocupação.
Foto cinco.
Eu já de banho tomado.
Um copo de água, comprimidos na mão.
Meu olhar parado.
O relógio calado mostra as horas, mas não demonstra emoção.
Foto seis.
Garagem aberta.
Meu vulto ao volante, luz de ré acesa.
Imagem capturada pelo ângulo de quem sai, esperando.
Foto sete.
Na estrada à frente, uma longa reta sem perspectiva captura a imagem da vida.
Não dá para ver para onde se vai.
Foto oito.
Carro estacionado.
Minha imagem em pé, meu corpo parado.
Foto da mente — turva, meio tonta — não sabe se vai.
Foto nove
Sem imagem.
Como era dito antigamente: queimou.
Foto dez.
Esperando acionar o botão.
Não sei se salvo ou deleto para continuar amanhã.
A previsão é um dia de sol.