Cordel das Duas Trilharas
No terreiro da aldeia,
Ao som do vento cantor,
Duas jovens se encontraram
Pra falar do seu valor.
Uma filha da floresta,
Outra filha do mesmo amor.
Jaci, de olhar tranquilo,
Diz com firmeza no chão:
— “Quero o passo dos antigos,
O canto da tradição.
Não quero o mundo de fora
Invadindo meu coração.”
Araci, de passo leve,
Responde com sabedoria:
— “Também amo nossos ritos,
O toré, a reza, o dia.
Mas posso usar tecnologia
Sem perder nossa poesia.”
Jaci então ergue a voz:
— “Mas a máquina do branco
Traz perigo e confusão…
Já levou tantos dos nossos,
Nos tirou tanta canção!”
Araci fala serena:
— “Eu conheço essa ferida,
Mas a flecha que é bem usada
Pode proteger a vida.
Se eu aprender o que é deles,
A aldeia segue erguida.”
Jaci pensa um longo tempo,
O vento passa devagar:
— “Eu só temo que teus passos
Não consigam mais voltar.
Que a raiz se rompa um dia
E a memória vá quebrar.”
Araci pega a mão dela
E diz com brando calor:
— “Raiz forte não se perde,
Mesmo quando cresce a flor.
Sou indígena em qualquer canto:
No mato ou no computador.”
Jaci sorri, compreendida:
— “Pois se carregas contigo
Nosso espírito guardião,
Que uses então teus saberes
Pra fortalecer o chão.
Que a aldeia siga viva
No teu canto e na tua ação.”
E Araci completa o verso,
Com brilho na juventude:
— “Nenhum futuro é sem passado,
Nenhuma fuga é virtude.
O mundo pode ser grande,
Mas eu ando com a minha etnitude.”
Duas jovens se abraçaram
No terreiro, sob o luar:
Uma guardando a memória,
Outra aprendendo a voar.
Ambas filhas da floresta,
Com o mesmo sonho de estar.
Pois tradição e novidade
Não precisam disputar:
Quando o coração tá firme,
Cada uma pode ajudar.
E o povo segue seu canto,
Sem jamais se separar.