Nelson de Medeiros

A PROMOTORA

 

 A PROMOTORA

 

Adamastor, como se sabe, era um cara simples, às vezes até simplório; tinha a mania de acreditar nas pessoas de bom senso.

Pois bem. Ao tempo em que advogava numa pequena cidade do interior apareceu em seu escritório uma linda estagiária que cursava, na época, o 5º período de direito e pretendia ser Promotora de Justiça, tão logo se formasse. Dona de um palavreado muito fluente e sempre pronta a resolver qualquer situação, era o protótipo da advogada perfeita, daquelas ou daqueles, para não parecer discriminação, que pensam como os donos da verdade e que a causa é sempre ganha, por mais errado esteja o seu cliente.

 Nada era impossível para ela. Diante de qualquer problema que surgia tinha sempre a mais perfeita e fácil solução, embora raramente estas soluções apresentassem a praticidade exigida na vida forense.

Gostava de falar inglês. Pelo menos tentava. Gabava-se de ter sido uma das melhores alunas no curso que fizera, e, lamentava-se constantemente por não ter ido para os Estados Unidos num destes intercâmbios que a gente vê por ai.

Apesar de não ser muito estudiosa, o que, a toda evidência é um poderoso aliado daquele que será, seguramente, um péssimo advogado, descobriu que o termo “writ” que, em inglês, é o mesmo que mandado, era muito usado na linguagem forense, principalmente em se tratando de Mandado de Segurança.

Não precisa dizer que a menina especializara-se na matéria e era um tal de “writ” pra cá e “writ’ pra lá que ela, sem atinar pela coisa, estava dando o que falar, e passara a ser objeto de gozação por parte de todos que frequentavam o Fórum local.

Acompanhava as audiências, mas nunca participara efetivamente de uma, mesmo porque Adamastor, a par de querer ajudá-la, sabia que a linda estagiária falava muito, era muito extrovertida, mas, na verdade, de direito mesmo ainda entendia muito pouco.

Tinha um receio natural de que ela viesse, não só a comprometer algum trabalho, mas até mesmo ficar queimada por alguma “gafe” que pudesse cometer. O calejado advogado sabia perfeitamente que em direito, o velho ditado “quem fala muito dá bom dia a cavalo”, se encaixava como uma luva em tais casos.

A ciência de advogar não está no escrever muito e muito menos no falar muito, mas sim no escrever e falar pouco, mas dizer muito. E somente depois de muitos anos, quando você entende que ninguém conhece mais do que ninguém e que, na verdade, o que existe são conhecimentos diferentes, é que se consegue alguma coisa nesta difícil profissão.

Mas, como todos temos que iniciar nossa vida profissional de alguma forma, em alguma coisa, chegou a oportunidade da futura promotora fazer o que tanto queria que era participar, efetivamente, de uma audiência onde pudesse falar e, assim, mostrar seus dons de oratória. Era uma excelente oportunidade. O processo era muito simples. A causa estava praticamente ganha e bastava requerer, na audiência, a extinção do feito por motivo extremamente relevante. Não havia como o Juiz decidir de outra maneira, face ao erro grosseiro que havia passado despercebido à parte contrária.

 Assim, foi dada à futura representante do “Parquet” a incumbência de apresentar, em audiência, as alegações finais, alegações estas que a causídica em questão havia preparado com antecedência, e o texto fora devidamente aprovado por nosso Adamastor que apenas havia incluído uma ou outra palavra mais técnica como, por exemplo, a locução latina” in fine”. Trata-se de uma expressão muito usada no mundo jurídico que significa ao final, no fim... Os advogados usam o termo geralmente para informar ao juiz ou chamar a atenção de que o que se pretende está no final do texto escrito, ou do artigo citado: “conforme artigo 267, in fine...” “Ou:” Por seu procurador in fine assinado...” A pronuncia é exatamente da forma que se escreve. “In fine.”

“Na audiência a nossa promotora ia relativamente bem em seu pedido até o momento em que deparou com a locução e, sem perder a pose, iluminada por uma aura de extrema sabedoria sapecou na cara do Magistrado: ...” Isto posto, requer a Vossa Excelência, com fulcro no artigo 267, VI “INFÁINE”...

Infelizmente foi difícil segurar o riso do Magistrado que, por sua vez, já conhecia a fama da causídica americanizada.

Hão de perguntar: Qual o final da nossa estagiária?

Sinceramente, há muito tempo não vejo a entusiasmada candidata a promotora. Acho que nem mesmo advogar ela advoga. Não aqui, pelo menos... Quem sabe, enfim, nos confins dos” States?...

 

Nelson de Medeiros