Luana Santahelena

A Delicada Ciência da Preguiça Inspirada

Ao começar a escrever poesia

descobri que “bloqueio criativo”

é só um vestido longo demais

para a minha preguiça inspirada

essa moça folgada

que prefere cochilar nas entrelinhas

a enfrentar o mundo em metáforas.

 

E eu a chamo, com carinho,

para uma conversa no quintal da alma:

— Minha querida, por que te escondes

justo quando a vida fica interessante?

Ela boceja, ri de canto,

e responde que o universo é vasto demais

para ser resolvido num verso só.

 

Enquanto isso,

as ideias batem à porta com timidez,

como pássaros que não sabem

se é primavera ou outono—

e eu, no limiar do vento,

aprendo a esperar suas asas,

mesmo que venham atrasadas.

 

Descubro então o paradoxo:

minha preguiça tem brilho próprio,

um jeito manso de filosofar

sobre o tempo que corre

e o sentido que escorrega.

Talvez a vida seja isso mesmo:

um poema que se escreve devagar,

entre um suspiro e outro,

entre um chá morno e uma dúvida teimosa.

 

E assim repito, quase em prece:

Ao começar a escrever poesia,

engano-me dizendo que é bloqueio,

quando na verdade é apenas ela—

minha doce desculpa existencial,

minha preguiça inspirada—

ensinando-me que há profundezas

que só se revelam

a quem sabe ficar um pouco parada

olhando o céu,

como quem espera, serenamente,

a próxima imagem pousar.