Ao começar a escrever poesia
descobri que “bloqueio criativo”
é só um vestido longo demais
para a minha preguiça inspirada —
essa moça folgada
que prefere cochilar nas entrelinhas
a enfrentar o mundo em metáforas.
E eu a chamo, com carinho,
para uma conversa no quintal da alma:
— Minha querida, por que te escondes
justo quando a vida fica interessante?
Ela boceja, ri de canto,
e responde que o universo é vasto demais
para ser resolvido num verso só.
Enquanto isso,
as ideias batem à porta com timidez,
como pássaros que não sabem
se é primavera ou outono—
e eu, no limiar do vento,
aprendo a esperar suas asas,
mesmo que venham atrasadas.
Descubro então o paradoxo:
minha preguiça tem brilho próprio,
um jeito manso de filosofar
sobre o tempo que corre
e o sentido que escorrega.
Talvez a vida seja isso mesmo:
um poema que se escreve devagar,
entre um suspiro e outro,
entre um chá morno e uma dúvida teimosa.
E assim repito, quase em prece:
Ao começar a escrever poesia,
engano-me dizendo que é bloqueio,
quando na verdade é apenas ela—
minha doce desculpa existencial,
minha preguiça inspirada—
ensinando-me que há profundezas
que só se revelam
a quem sabe ficar um pouco parada
olhando o céu,
como quem espera, serenamente,
a próxima imagem pousar.