Yves de Sá

Eu

o tempo não cura.

ou talvez cure tudo, menos a gente.

faz tanto tempo

que já nem lembro o primeiro dia

em que a dor resolveu morar em mim 

Só sei que ela nunca mais pediu licença.

 

e eu ainda me encontro aqui,

sempre aqui,

no mesmo salão vazio

onde a solidão me estende a mão

e eu aceito,

porque já decorei os passos

dessa valsa que nunca termina.

 

as drogas, os exercícios,

rituais para enganar o corpo;

um passo pra longe,

dois passos de volta pro abismo 

como se a tristeza fosse

o dançarino mais experiente da noite.

 

é estranho pensar

que esse universo inteiro

cabe dentro da minha cabeça:

um mundo paralelo,

um multiverso íntimo,

onde cada dor vira verso

e cada verso parece igual

mesmo quando sangra diferente.

 

e então penso no cometa 

a ideia mais louca e mais doce que já tive.

um risco de luz rasgando a atmosfera,

colidindo comigo sem hesitar,

varrendo tudo o que já senti,

tudo o que ainda sinto,

tudo o que não sei como parar de sentir.

 

talvez eu só espere isso

um fim que não doa,

um silêncio que abrace,

um estrondo que limpe o mundo interno 

não por querer deixar de existir,

mas por desejar, só por um instante,

existir sem dor.