Lembro-me do dia em que percebi
que o brilho entre nós não vinha do riso fácil,
nem dos gestos leves que encantam quem passa.
Vinha do que sustentávamos em silêncio —
como quem segura uma porta aberta durante a tempestade
para que o outro encontre abrigo.
Não foi uma revelação súbita,
daquelas que chegam como trovão.
Foi coisa lenta, paciente,
crescida na dobra dos dias,
entre a cozinha desarrumada
e o suspiro cansado depois do trabalho.
Havia algo nos teus olhos
que não prometia felicidade,
mas oferecia presença.
E presença, descobri,
tem a força discreta de uma fogueira antiga:
não explode,
mas aquece tudo a sua volta.
Foi ali, nesse cotidiano sem medalhas,
que entendi o que os poetas sempre tentaram dizer
e o que os sábios nunca ousaram completar.
Amar não era procurar céu —
era plantar chão.
Era regar, aparar, recompor, recomeçar.
Era ficar.
Mesmo nos dias em que nenhum de nós
sabia muito bem como se faz isso.
E quando ficamos,
o mundo começou a repousar um pouco sobre nós.
Havia ternura na forma como você me entregava o seu silêncio,
e havia paz na maneira como eu aprendia a escutá-lo.
Sem exigências.
Sem promessas.
Apenas o reconhecimento de que algo verdadeiro
precisa ser cuidado com as duas mãos.
Hoje, quando olho para trás,
entendo que a alegria que em nós habita
não nasceu para ser perseguida.
Ela brotou sozinha,
como erva teimosa entre rachaduras,
porque, sem perceber,
aprendemos a sustentar um ao outro
nos lugares onde antes só havia cansaço.
E se existe alguma luz no meu peito agora,
é porque você me ensinou,
sem palavra alguma,
que o amor mais forte
não é aquele que busca unicamente ser feliz —
e sim aquele que aprende a ser farol.