Da mesma carne primordial, forjados.
Do mesmo osso, carne, pele, membros e sal, fomos feitos.
Porém, no sangue carregamos o arquivo antigo,
herdamos o mesmo útero, onde cada embrião foi implantado,
sendo um só lugar, um só abrigo.
Mas no batimento inicial, já pulsa o contra-argumento.
Antes da fala, surge o grito bruto e o olhar cego,
O primeiro \"não\" ao seio, o voto de desapego.
Como Adão e Eva e autonomia moral.
Foi o pontapé inicial, o primeiro movimento,
A costura frágil de um pacto íntimo.
O \"Eu\" que nasce ao se ver e identificar no espelho alheio,
Vê no outro um estranho, um desejo de ser mais sem nenhum receio...
Criamos divisões, como propriedades em metros quadrados,
erguemos muros de distinção,
como lotes a medir, a cercar a nossa condição;
Esta pele, aquela crença, meu nome, a tua nação.
[ E que Deus seja louvado, depois lhe darei a sua bênção]
É a ferida narcísica da humanidade,
buscar no espelho quebrado uma falsa unidade.
E para quê esta sede de hierarquia?
Este muro tolo que nos aprisiona dia a dia,
que nos faz guerrear contra o irmão de sangue, carne, ossos e veias,
e trair a nós mesmos, numa sádica e infinda seita?
Poderíamos ser mais.
Poderíamos ser um corpo, múltiplo e em paz.
Desfazer a gênese do contra, o mito da separação,
e lembrar, no osso e na carne, nossa única, extensa condição.