Marujo

Besta de dois corações

 



 Malformado, criado como filho bastardo de um casamento indesejado,
de um lado, o desejo cansado de ser e criar algo, seja por amor ou fardo.
De outro, um sentimentalismo inesperado: a culpa de ter ou não ter,
de querer ou se abster, de ser alimentado e, mesmo assim, não querer comer.
Bicho maldito, bicho oximorônico, anêmico mas sanguinário.


 Besta de dois corações: um bom e um falso.

Um bate, o outro apanha.
Um vive, o outro sonha.
Um ama, e o outro aguenta as consequências de ansiar amar.
Crucificado, torturado, batido — bate, bate, bate, até cair bêbado,
sem lembrar sequer se é o falso
ou aquele que sente o calor do sangue.


 Cangaceiro de duas cabeças, uma pra frente, uma pra trás.

Olhando um horizonte pálido e um passado ainda mais.


 “Faz, menino, faz: faz teu nome em pedra de sabão.”

“Foge, menino, vai: vai pra longe que a pedra te engole.”
“Te amo, menino. Amo. Teu pai não, mas eu ainda te amo.”
“Te acorda, menino, vai. Tua mãe tá longe e doida, e eu te cuido.”
“Vive, que o que se tem de belo é o céu e o mar.”
“Se dormir é bom… imagine não ter que acordar.”