Charles Araújo

ALVURA INÓSPITA

ALVURA INÓSPITA

 

Fiz de tudo o que pude.

Jurei aos céus: vou lembrar sim.

Mas agora, com as sombras do meu ego e vaidade humana,

uma força que me faz repudiar o que não gosto,

se entorta na garganta,

e eu cuspo com nojo antes de engolir.

 

E agora, com as mãos sujas de nódoa,

de um veneno que me ensinaram a beber,

com a graça de quem exalta o que tem,

e ainda ri no fim.

 

Sabe, talvez o erro tenha sido meu:

acreditar que havia algo a salvar.

Mas a salvação é um mito.

O que me deram foi só uma tortura bem-feita,

uma prisão de pele e carne que, por um tempo,

pareceu ser liberdade.

E eu, tolo, brinquei no fio da navalha.

 

Hoje, não sou mais aquele que chamaria amor.

Sou o homem que se envenena só pra provar que está vivo,

porque sentir dor é mais digno do que viver anestesiado.

 

E é isso, digo com ironia:

a vida não é feita de finais felizes,

mas de amargas lições

que se disfarçam de paixão.

Agradeço, mas não quero mais esse presente.

Minha verdade é outra agora:

uma rara e inóspita indiferença.

E, de todas as redenções que tentei,

essa é a mais pura.

 

Se, por acaso, ainda guardarem resquícios de mim,

lembrem-se:

não sou mais o homem que alguns conheceram.

Sou o homem que aprendeu a se perder

sem esperança de encontrar algo em troca.

Afinal, qual é o prêmio por ter o coração espremido entre trapaças cruéis?

 

Perdi-me nos amores insanos,

nos olhares de fogo,

nos sorrisos que me mastigaram.

Não sabeis que o que me queima agora

não é o calor que um dia me abraçaram,

mas a frieza de quem sobreviveu

sem sequer precisar ser resgatado.

 

Eu? Agora sou só fumaça,

que se dissipa e some no ar.

E tudo o que sobrou foram lacunas

e perguntas que nunca encontram respostas,

mas que hoje deixaram de me consumir.

 

O desejo? É um canalha sem moralidade,

que às vezes vem, mas ignoro, e logo passa.

Pois desejar o mesmo carrasco

é ser refém dos sacrilégios indignos.

 

A saudade? É uma filha da puta.

Mas o que ficou de mim não tem preço.

E que me perdoem,

mas prefiro estar sem amor, sem calor,

do que na beira do abismo,

vendado, à espera do próximo empurrão.

 

Sempre odiei escolhas.

Mas se tiver que escolher,

prefiro continuar queimando,

 

ainda que seja por um fogo

que só eu entenda,

e que me faz sentir vivo.