Luana Santahelena

Em Falta no Estoque

Dizem que a inocência acabou,

mas talvez esteja só em falta no estoque —

como aquelas frutas que a gente jura que ainda amadurecem

se deixadas mais um pouco ao sol.

 

Eu procuro a minha nos bolsos do casaco,

entre as contas, os compromissos e as senhas que já esqueci.

Quem sabe ela tenha se disfarçado de riso tímido,

ou de lágrima que não chegou a cair?

 

Em um mundo de filtros, ser sincera

é quase uma ousadia indecente.

Falam que autenticidade é luxo,

mas eu continuo insistindo em sair sem máscara —

mesmo que o espelho me olhe de canto,

achando que enlouqueci.

 

Há quem cole brilho nas palavras,

como quem cobre rachaduras com purpurina.

Eu, confesso, prefiro as falhas expostas —

elas me lembram que sou real,

que ainda erro, ainda sinto, ainda rio.

 

E rir de mim mesma, ah,

é o último milagre grátis.

Faço-o toda vez que tropeço na própria pressa,

ou quando tento entender o sentido da vida

enquanto queimo o café.

 

Talvez a inocência não tenha acabado —

só tenha aprendido a rir em silêncio,

esperando que a gente, um dia,

lembre de procurá-la de novo

naquilo que não dá pra vender.