Dizem que a inocência acabou,
mas talvez esteja só em falta no estoque —
como aquelas frutas que a gente jura que ainda amadurecem
se deixadas mais um pouco ao sol.
Eu procuro a minha nos bolsos do casaco,
entre as contas, os compromissos e as senhas que já esqueci.
Quem sabe ela tenha se disfarçado de riso tímido,
ou de lágrima que não chegou a cair?
Em um mundo de filtros, ser sincera
é quase uma ousadia indecente.
Falam que autenticidade é luxo,
mas eu continuo insistindo em sair sem máscara —
mesmo que o espelho me olhe de canto,
achando que enlouqueci.
Há quem cole brilho nas palavras,
como quem cobre rachaduras com purpurina.
Eu, confesso, prefiro as falhas expostas —
elas me lembram que sou real,
que ainda erro, ainda sinto, ainda rio.
E rir de mim mesma, ah,
é o último milagre grátis.
Faço-o toda vez que tropeço na própria pressa,
ou quando tento entender o sentido da vida
enquanto queimo o café.
Talvez a inocência não tenha acabado —
só tenha aprendido a rir em silêncio,
esperando que a gente, um dia,
lembre de procurá-la de novo
naquilo que não dá pra vender.